Professor Marcelo Coutinho, analista sênior de hidrogênio verde. prof.marcelo.coutinho@gmail.com
Os cartuchos de hidrogênio da Toyota ocuparam o noticiário internacional nos últimos dias. São literalmente como grandes pilhas. Não é a primeira vez que se fala em tais cartuchos, mas dessa vez é diferente porque a maior fabricante de veículos do mundo é quem apresenta uma solução para reabastecimento. Então, é bom prestar atenção.
De imediato podemos dizer que os novos kits da Toyota podem facilitar bastante a vida dos donos de veículos a hidrogênio, possibilitando inclusive que reabasteçam seus veículos em casa, o que resolveria em boa medida o problema de ainda haver poucas estações de hidrogênio. Com os cartuchos, não é preciso esperar em filas para abastecer e muito menos percorrer grandes distâncias para encontrar um posto com esse novo combustível.
No entanto, antes de prosseguirmos com esse assunto, é importante entender de uma vez por todas que o hidrogênio verde não está sendo pensado em primeiro lugar para o abastecimento de carros pequenos. Já falamos muito sobre isso em outros artigos, mas sempre é bom relembrar que o principal foco do hidrogênio é o setor de transporte pesado (trens, navios, aviões, caminhões rodoviários, grandes tratores etc) e o próprio setor industrial (fertilizantes, cimento, aço, petroquímica etc).
Nada impede que o hidrogênio possa também ser usado em carros de passeio, mas para isso já existem os elétricos a bateria como solução de descarbonização. Provavelmente, teremos, sim, mais carros a hidrogênio, sobretudo, vans, picapes, SUVs e carros de luxo. Porém, esse não é o alvo principal do novo combustível verde. Muitas vezes se perde tempo demais discutindo uma aplicação secundária, perdendo de vista uma utilidade muito mais relevante. Em resumo, o hidrogênio é mais vantajoso em outros setores do que nos pequenos automóveis.
Dito isso, os novos cartuchos da Toyota oferecem a facilidade de poderem ser carregados como sacolas ou mochilas nas costas com pouco peso para qualquer lugar e com bastante segurança, podendo abastecer tanto veículos como também alimentar geradores elétricos ou fogões numa casa, por exemplo. Cada cartucho carregaria cerca de 200 gramas de hidrogênio, o que significa que um deles apenas serviria para uns dois dias de acampamento familiar ou algo do tipo. A propósito, a Japan Mobility Show Bizweek deste ano exibiu pela primeira vez um fogão a hidrogênio. Basta, então, juntar as duas coisas para entender o que está acontecendo.
Uma bateria é muito mais pesada que um cartucho de hidrogênio. Além disso, a bateria não pode entrar em contato com a água salgada, é menos longeva e demora bem mais para recarregar. Se você está, por exemplo, num acampamento na praia não é nada indicado usar um fogão ou um lampião a bateria. O mesmo vale para locais com furações e similares. Por sua vez, se você precisa se mover de um lugar para o outro sem rede de energia elétrica ou está com pouco tempo para parar, a bateria também não lhe serve.
Seja como for, os tanques portáteis nos mostram com muita clareza que o hidrogênio verde pode ser transportado com segurança e leveza. Os cartuchos poderiam até mesmo ser exportados. Por sinal, isso é uma forma de tornar em commodity esse novo produto e fazê-lo circular entre os Oceanos inclusive. Os cartuchos poderiam muito bem irem cheios para os locais de consumo e voltarem vazios para serem reabastecidos nos centros de produção, seja numa mochila com peso bem mais leve que um pequeno botijão a gás, seja num navio cargueiro especializado.
Com cinco desses cartuchos, um SUV anda cerca de 100 km com a tecnologia dos carros já comercializados. E pode ficar bem melhor, evidentemente. Não é difícil imaginar que logo sejam necessários apenas três cartuchos para percorrer a mesma distância, seja porque tenhamos kits melhores, seja porque está aumentando a eficiência das células de combustível. Já escrevemos sobre a nova geração de carros a hidrogênio que está vindo por aí. Mas, de novo, esse não é o foco prioritário do hidrogênio verde. É sem dúvida o combustível mais versátil do mundo. Contudo, tem aplicações mais vantajosas que outras, sobretudo no momento atual. Devemos usar o ouro verde da forma mais proveitosa possível.
Publicado 21/10/2024