Marcelo Coutinho, professor e analista sênior de hidrogênio. prof.marcelo.coutinho@gmail.com
Diziam que o negócio de aerogeradores era um elefante branco ficcionista. Diziam também que os painéis solares eram muito caros, coisa para ambientalista telhar sua casa com refletores especiais. Mais recentemente disseram que os carros elétricos não funcionariam. Supostamente caros demais, além de incendiarem e serem muito difíceis de recarregar. Disseram outras asnices que ninguém nem lembra mais, pois o mundo foi lá e mostrou que os críticos da transição energética estavam redondamente errados.
A mesma velha cantilena cética também foi repetida contra o hidrogênio verde. E de novo agora o tempo comprovou a plena viabilidade do novo combustível verde. Já escrevemos aqui muitos artigos destrinchando diversos relatórios de consultorias e agências internacionais que apontam o crescimento orgânico da indústria H2V no mundo, especialmente no último ano. E é observando o que as grandes empresas orientais estão fazendo que podemos analisar todo o cenário.
Por trás de tudo isso está a China. A potência asiática se tornou rapidamente a maior produtora de energia limpa do mundo, colocando-se muito na frente dos demais. Após se firmar como a maior produtora global de aerogeradores e painéis solares, a China inundou os quatro continentes com seus carros elétricos, baixando o preço de tudo. Os carros a combustão já estavam com os dias contados, mas depois de empresas como a BYD, fica muito claro que o fim completo da velha indústria automobilística será muito antes do que se pensava.
Em dois ou três anos, será um estorvo ter um carro convencional na Europa, na China, no Japão, Coréia do Sul, Canadá, Austrália e em muitos outros países relevantes da economia global. Mesmo nos EUA de Trump, a eletrificação é uma tendência irresistível. Os preços do barril de petróleo desabaram em 2024, devem continuar caindo de 2025 em diante, e não vão mais se recuperar de forma sustentável, não só porque o mundo não aguenta mais tanto carbono na atmosfera, mas porque uma nova revolução energética já começou e é dominada pela China que torna tudo possível em apenas um par de anos.
A potência industrial chinesa é mesmo impressionante. Seu novo e mais importante capítulo já começou a ser escrito, está bastante adiantado e se chama hidrogênio verde. Enquanto países como o Brasil perdem tempo demais enganando-se com biocombustíveis e a sobrevida dos fósseis, a China vai lá e faz acontecer, garantindo o seu lugar de destaque no novo mundo. A China tem um interesse a mais em fazer o H2V evoluir rapidamente. Suas gigantes petrolíferas assistem a queda das margens com o refino e iminências de esgotamento das reservas de petróleo. Então, quanto antes passarmos do óleo para o H2V, melhor. Mais tecnologia, mais produção, mais autonomia, e mais dinheiro.
Em 2024, as metas nacionais de hidrogênio de baixo carbono na China evoluíram de moderadas para altas. Inclusive com a mais recente mudança legal do status de produto químico perigoso para fonte energética. Empresas chinesas, sobretudo a Sinopec, também elevaram o hidrogênio verde para o grau de importância estratégica prioritária, formando ampla coalizão interna de negócios. O grupo Sinopec e mais de uma centena dos seus pares chineses trabalharão em conjunto para acelerar a construção de uma cadeia de abastecimento de hidrogênio e acelerar a transição do país para combustíveis não poluentes.
A Sinopec é a maior produtora mundial de hidrogênio verde, e agora vai aumentar a produção para uma escala comercial. A empresa promoveu um grande evento na COP29 em que seu Presidente Ma Yongsheng afirmou com todas as letras que estamos na transição para a “era do hidrogênio”. A empresa está investindo em uma produção mais avançada e construindo redes de distribuição de hidrogênio verde. A Aliança promovida pela Sinopec inclui importantes parceiros internos da área de energia tais como a China Energy Investment Corp, a State Grid Corp, além das empresas petrolíferas PetroChina e CNOOC, bem como ainda a China State Shipbuilding Corp.
A China acaba de fechar mais uma parceria em Hong Kong com o objetivo anunciado de promover a exportação de tecnologias e produtos avançados chineses de hidrogênio verde para adquirir reconhecimento internacional no mercado e reforçar vantagens competitivas. Vale notar ainda que praticamente todas as empresas de painel solar relevantes na China já abriram subsidiárias e empresas especializadas em hidrogênio verde, numa clara demonstração não só de interesse, mas de foco e implementação acelerada de ações.
Poderíamos continuar aqui listando o que a China tem feito, mas há algumas informações que a SL Energias prefere manter em sigilo porque estão no pipeline de projetos. Seja como for, já está suficientemente claro no texto as mudanças em curso, e de que maneira a China vai consolidando sua liderança em energia verde. A preparação para um novo mundo já começou e Pequim entendeu bem o jogo.
Para os céticos desnorteados no Brasil que se acham muito inteligentes, termino este artigo com os últimos números sobre investimentos em energia. Desde 2023, os investimentos em fontes renováveis (2 trilhões de dólares) é o dobro dos investimentos em combustíveis fósseis (1 trilhão de dólares), de acordo com o relatório World Energy Investment 2024 da Agência Internacional de Energia (IEA). Os grandes fundos de pensão internacionais também já começaram a abandonar os fósseis por motivos óbvios, o que significa que a diferença de investimentos que já é muito maior a favor da energia limpa vai disparar muito mais ainda.
Os espertalhões contra o nosso hidrogênio verde que pensam estar engabelando alguém, estão apenas enganando a si mesmos. Excelentes negócios estão a caminho. Essa indústria se tornou ainda mais preciosa nos últimos meses, e o preço vai ficar mais caro, e não será o preço de produzir o H2V e seus derivados, não, mas o preço de correr atrás das oportunidades perdidas. Serão dezenas de bilhões investidos em 2025. A corrida do hidrogênio verde já começou e mantém muitos como espectadores de novo!
Publicado em 27 de novembro de 2024.