Declínio do etanol e ascensão do hidrogênio verde

Professor Marcelo Coutinho, analista sênior de hidrogênio prof.marcelo.coutinho@gmail.com

No exterior, ninguém lembra do etanol quando se fala a sério sobre transição energética, e no Brasil começa finalmente a acender a luz amarela sobre esse combustível biológico. A Empresa de Planejamento Estratégico (EPE) acaba de publicar seu último relatório em que projeta queda na demanda por etanol a partir de 2025. E a razão disso não é eventual desaceleração da economia nem nada do tipo, e sim os problemas ambientais com os quais o próprio setor está associado.

Em 2024, o etanol bateu recordes, e sua produção continuará forte no país, mas a tendência futura mudou. A queda de 2% para 2025 pode ser pequena e ainda assim muito significativa, pois esperava-se justamente o contrário disso por conta da transição energética no qual o setor se insere de forma falaciosa. Escrevemos aqui já muito explicando porque o etanol é muito nocivo para o clima, e agora é o EPE quem reconhece o efeito disso sobre o mercado.

Em síntese, as incertezas quanto aos impactos de longo prazo do clima seco e dos incêndios nos canaviais em 2023 é a principal razão para a queda do etanol. Esse problema ocupou notório espaço no noticiário nacional e internacional, sepultando de vez as chances, por exemplo, do G20 abraçar a causa dos biocombustíveis. Tudo que os estudos mostravam sobre os efeitos perversos desses combustíveis ficou comprovado.

E não é só o etanol. A mudança no uso da terra em geral é o que mais dificulta os planos de descarbonização do Brasil. O etanol, sobretudo agora do milho, está pressionando a fronteira agrícola, mas o biodiesel da soja também. Tudo isso junto tem destruído biomas e gerado catástrofes ambientais. Basta ver o que aconteceu no Rio Grande do Sul, o que aconteceu com a substituição dos pampas pelas plantações de soja. O fato concreto é que o Brasil virou uma fornalha com bolsões de calor. Seja por alagamentos ou pela seca e incêndios, até mesmo o negócio dos biocombustíveis sai prejudicado.

Como é que se pode depender mais de um tipo de combustível para enfrentar as mudanças climáticas se ele próprio é responsável por essas mudanças e fortemente suscetível a elas? É obvio que não podemos depender de uma solução energética que é ao mesmo tempo causa e vítima das mudanças climáticas. O aquecimento do planeta é uma realidade que impacta negativamente a produção dos biocombustíveis, o que agora até o EPE reconhece. Logo não se pode depender desses combustíveis emissores de carbono para combater esse grave problema.

Mas nem tudo está perdido. Na mesma semana temos um outro relatório muito auspicioso, não para o etanol, mas para o hidrogênio verde. Veja como, pouco a pouco, a realidade vai se impondo, e mesmo quem até então resistia, passa a entender o caminho natural da transição energética. Agora é um relatório do Observatório do Clima que mostra o futuro promissor do H2V, e o Brasil pode mesmo se tornar uma potência ambiental com ele. Vejamos o que diz explicitamente o relatório:

“É frequente que a produção de agroenergia envolva práticas agrícolas danosas ao meio ambiente nas diferentes etapas do processo produtivo. Entre os impactos, podem ser citados o aumento do desmatamento, o êxodo rural, a concentração de terras, o crescimento dos monocultivos, a exploração de trabalhadores, a contaminação de corpos d’água e o uso de agrotóxicos. Assim, os impactos relacionados ao uso da terra na produção de energia por meio da biomassa se relacionam diretamente com fatores como a segurança alimentar das populações e a utilização das matérias primas enquanto commodities. À medida que se aumenta a aquisição de terras férteis para produção de biocombustíveis, por exemplo, pode ocorrer deslocamento populacional, conflito de terras e ameaça à biodiversidade local, considerando as grandes áreas de cultivo destinadas à monocultura” (O futuro da energia, Observatório do Clima, outubro de 2024, página 64).

O relatório prossegue falando duras verdades sobre os biocombustíveis, muitas vezes colocadas para baixo do tapete. Mas, mesmo assim, o relatório ainda não alcança plenamente o problema já diagnosticado pelo EPE quanto ao impacto dos incêndios sobre a produção da agroenergia. Os biocombustíveis produzem graves problemas para o clima, para outras áreas vitais e até mesmo para o próprio negócio em que são gerados, e a partir do próximo ano de forma crescente, derrubando as perspectivas desse mercado.

Por outro lado, as estimativas para o hidrogênio verde variam entre boas e excelentes. Segundo o estudo do Observatório do Clima, o hidrogênio renovável deve conquistar 6% da demanda energética nacional até 2050 (provavelmente será muito mais do que 6%. A Agência Internacional de Energia Renovável estima 12%). O relatório estima que, com o hidrogênio verde, as indústrias de cimento e química poderiam alcançar uma redução de 80% nas emissões de gases de efeito estufa. Além disso, a produção de ferro-gusa, aço verde e outras metalúrgicas poderia chegar a 90% de redução de carbono.

Tudo isso reunido reforça o que temos dito e repetido aqui exaustivamente: o combustível do futuro é o hidrogênio verde, e não os biocombustíveis. Mais do que futuro, o H2V já está sendo colocado em desenvolvimento em várias partes do mundo, com fábricas em operação e outras em fase de engenharia e construção. No Brasil, por causa de interesses econômicos paroquias e politicamente obstrutivos, o hidrogênio verde foi muito adiado, mesmo com toda a vocação nacional. Mas, a despeito das resistências iniciais, a realidade sempre se impõe, e o H2V vem agora com força.

Publicado em 25/10/2024

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