Muita coisa tem acontecido no mercado de hidrogênio verde no mundo, e ninguém melhor do que o Professor Marcelo Coutinho (UFRJ) para nos falar mais sobre isso, o maior especialista brasileiro no assunto, e que tem colaborado com artigos para a SL Energias no nosso blog do site. Perguntas diretas e respostas objetivas:
1. Como está hoje o hidrogênio verde no mercado global?
Crescendo de forma orgânica no exterior, sem formação de bolhas financeiras nem hypes excessivos. Cresce ano a ano a uma taxa consistente. Todos as consultorias e agências internacionais constatam isso em seus relatórios. Em 2024 houve uma onda maior de decisões finais de investimento, e todas as expectativas para 2025 é de um verdadeiro boom de expansão. A fila de projetos andou, e nos próximos meses vai disparar.
2. Mas surgem notícias de negócios fechando lá fora?
Os pipelines de projetos amadureceram e a inviabilidade de alguns deles veio à tona. A SL Energias sempre destacou que alguns desses negócios inicialmente muito propagandeados por aí tinham na verdade pouca chance de evoluir porque esqueceram de elementos básicos do H2V: excedentes de água e energia elétrica renovável. Sem essas duas, os projetos não são viáveis, e uma hora isso aparece.
3. Cresceu no exterior, mas no Brasil não?
No Brasil houve uma demora muito grande em aprovar a legislação no Congresso, e agora a regulamentação está demorando em instâncias do Executivo. Isso atrasou os investimentos por causa da insegurança jurídica e pouca clareza com relação aos incentivos públicos. Isso tem atrasado muito o país, que vai perdendo lugar para outras nações.
4. Que país está bem nesse mercado?
A China é a líder e deve ampliar essa liderança muito mais. Está investindo muito em hidrogênio verde, que se tornou algo realmente importante para a potência asiática. Eles não são fortes em produção de petróleo, o refino vem perdendo margens, e precisam importar muita energia fóssil de fora. O H2V para eles é agora uma indústria nascente estratégica. Eles estão vindo para cima com vontade, como fizeram com eólicas, solares e carros elétricos. O H2V é a rainha nesse tabuleiro.
5. E os EUA, a Europa, os demais?
A Europa vem evoluindo mais lentamente do que o esperado, mas está avançando, sim. Para os europeus, não há futuro sem o hidrogênio verde. Nenhum futuro. Japão e Coreia do Sul continuam dando passos para sociedades de hidrogênio. Não há dúvidas quanto a isso. Basta ver as novas linhas H2V de ônibus sul-coreanas, por exemplo. Já os EUA, eles têm um trilhão para colocar nessa nova indústria. Trump não deve mexer muito nisso, embora o hidrogênio azul (fóssil) vá agora ganhar mais espaço por lá, como também na OPEP.
6. E na América Latina?
O Chile vem dando um banho em todos, com destaque para a gasolina sintética, feita com H2V. E o México agora também deve avançar mais rapidamente por causa da nova Presidente. Mas de maneira geral todos têm projetos, alguns bons, outros nem tanto. Estão esperando os investimentos europeus e asiáticos acontecerem na região.
7. Quais projetos já avançaram no Brasil?
Concretamente, tudo se acumulou para 2025. Os próximos meses trarão uma avalanche de empreendimentos. Duas fábricas em Minas Gerais e uma outra no Rio Grande do Norte para cimento verde estão um pouco mais adiantadas. Porém, na verdade, virão todos juntos, cerca de 50 bilhões em decisões finais de investimento. Nesse processo, claro, alguns terão bem mais dificuldade. Como produzir H2V onde não tem rios nem chuvas a maior parte do ano? Sem água doce abundante, encarece a Capex. E como produzir H2V longe demais das fontes primárias renováveis? Encarece ainda mais.
8. Pode mencionar quais desses casos em que falta o básico?
Não vamos aqui mencionar os lugares, por uma questão de elegância. Mas digamos que tem lugar onde a água terá que ser dessalinizada, 80% ou mais! Aí sobe o preço e criam aquelas estruturas mostrengas em lugares paradisíacos. Uma ou outra, ok, mas tem limites isso. E a população sem água vendo tudo, não vai dar em algo bom. Por outro lado, não faz o menor sentido descer milhares de quilômetros de transmissão elétrica, atravessando o país, para fazer fábricas tão longes das fontes primárias. O desperdício de energia no percurso é demais, e mais suscetível às intempéries. Onde não tem vento e sol mais constante, terá pouca produção de H2V. Não adianta. E onde tem ciclones cada vez mais frequentes e fortes, encarece e torna tudo mais problemático e inseguro.
9. Além de água e energia, o que mais precisa?
Uma boa infraestrutura e proximidade com mercados consumidores. A proximidade com grandes portos e ferrovias faz toda a diferença para o hidrogênio verde. É difícil imaginar um lugar que possa se destacar sem isso. É também o que faz o Maranhão ser o melhor lugar do mundo para produzir o novo combustível. Além de combinar, como nenhum outro lugar, água e energia renovável abundantes, o Maranhão também tem os maiores portos e ferrovias do Norte-Nordeste, e uma localização absolutamente estratégica. O Maranhão foi feito para produzir hidrogênio verde. É algo que não se encontra nem dentro nem fora do país.
10. Quando vamos ter carros a hidrogênio verde?
Já temos, e já rodam pelo mundo afora perfeitamente, com o desafio agora de ampliar os postos de abastecimento. Aqui no Brasil estão começando a ser divulgados. Mas sinceramente não acredito que os carros serão o principal uso do H2V em grande escala. Os carros elétricos à bateria vão dominar 90% do mercado, é só uma questão de tempo agora, e de pouco tempo. É preciso estar cego para não ver o que já está acontecendo. Existem nichos de leves que serão movidos a hidrogênio verde, mas o foco maior desse novo combustível é mesmo os veículos pesados, a começar pelos trens e navios. Os trens de carga e os navios grandes serão todos à hidrogênio verde ou derivado. Quem contar outra história não sabe do que está falando.
11. Mas, e o etanol, os biocombustíveis?
São combustíveis de transição que já estão chegando no topo da linha, antes da curva cair. A própria Empresa de Pesquisa Energética (EPE), em seu relatório de outubro, já viu a queda do etanol começar em 2025. Não dá para ter combustíveis que pioram o aquecimento global com mudanças do uso da terra e ainda por cima serem negativamente impactados pelas secas, queimadas e inundações que esse aquecimento gera. São combustíveis cuja produção é muito dependente do clima, e que pioram o clima. Veja o que aconteceu no Rio Grande do Sul. Aquela catástrofe foi causada por um bolsão de calor criado pela agroenergia. Fora que o mundo nem quer saber de biocombustíveis, porque ainda tem o problema da fome. É outra coisa que insistem, mas que o tempo vai corrigir. Mudaram a lei do hidrogênio só para ajudar o etanol, aumentando as emissões de carbono. Um grande erro.
12. Então a Petrobrás errou ao investir agora muito em etanol?
Deixa o tempo mostrar. Acho que eles estão indo muito na pressão e agindo no curto prazo. Enquanto isso tem outros players de olho no hidrogênio verde brasileiro. Quando a Petrobrás perceber o que perdeu, pode ser tarde demais, porque vem gente graúda no lugar, inclusive de fora e do setor de petróleo. Tem gente que ainda acha que dá para contornar o H2V. Sinto muito, mas não dá, não. É uma tendência global já firme e inexorável porque não dá para fazer descarbonização para valer sem o H2V, e o mundo não pode mais deixar de descarbonizar ou nossas civilizações vão acabar. Fato atrás de fato.
13. Que áreas que não dá para não ter o hidrogênio verde?
Siderurgia, metalurgia em geral, indústria do cimento, fertilizantes, a própria petroquímica, veículos muito pesados de longa distância, e assim por diante. Sem o H2V não dá para descarbonizar cerca de 1/3 de da economia mundial. Lembre-se que o gás natural é um combustível fóssil, e que ainda por cima emite metano, 80 vezes pior que o dióxido de carbono. Boa parte desse salto nos últimos anos nas temperaturas foi por causa do gás natural. Não falam a verdade quando dizem que é transição energética com ele. Gás natural não é transição energética e pode ser até pior.
14. E o problema do armazenamento das energias renováveis?
De fato, a energia eólica e solar tem um problema porque elas são intermitentes. Uma hora geram muito, outra não geram, e não armazenam nada. Muita energia é simplesmente desperdiçada, jogada fora. Essas duas fontes primárias vão salvar o mundo, mas para fazer isso precisam do hidrogênio verde, fonte secundária, que armazena a energia gerada. O H2V é, em primeira instância, um excelente armazenador de energia limpa. As baterias também fazem isso, mas não servem para tudo. A transição precisa do H2V para fechar o quebra-cabeça da descarbonização. Não tem outro jeito.
15. Mas o hidrogênio não é caro e desperdiça parte dessa energia?
Não desperdiça energia porque, sem o hidrogênio verde, a energia eólica e solar do Nordeste brasileiro, por exemplo, que equivale a 70 Itaipus, simplesmente é desperdiçada. Ou seja, na verdade o H2V aproveita essa energia potencial que temos e não aproveitamos. O H2V salva, em vez de perder energia. E com relação a ser caro, no Maranhão ele terá um preço muito competitivo. E quando ganhar escala será mais barato ainda. Isso com a tecnologia que temos hoje. Com os eletrolisadores novos que estão vindo por aí vai ficar mais barato que a gasolina comum. Com o mercado de carbono, a tendência é que preços premium virem defaults, e as empresas vejam, dessa forma, que o caro sai barato na verdade.
16. E SL Energias, como se encaixa nisso tudo?
Está muito bem posicionada. Aumentou seu valuation significativamente nos últimos meses. A empresa tem a melhor planilha de projetos, no melhor lugar do mundo para produzir e escoar produção de H2V e derivados, os terrenos perfeitos. Deve vir coisa grande aí em breve a ser anunciada. Mas também tem algo bastante inovador que não estou autorizado a falar, um nicho de mercado específico muito interessante. Algo que ninguém pensou um negócio dessa maneira, mas que a SL pensou e pensou muito bem. É um momento que lembra muito as fortunas criadas no século XIX com a revolução energética. Vamos logo descobrir quem são os Rockefeller do hidrogênio verde, e quem dormiu no ponto.
Publicado em 29 de novembro de 2024