Advocacia e hidrogênio verde

Professor Marcelo Coutinho, analista sênior de hidrogênio prof.marcelo.coutinho@gmail.com

Nos últimos dois anos, aumentou exponencialmente o interesse dos escritórios de advocacia e seccionais da OAB pelo hidrogênio verde (H2V), o combustível e insumo industrial limpo que virou peça chave na transição energética mundial. Tem havido não só debates e conferências frequentes sobre o assunto, patrocinados pelos escritórios de direito, como também a criação e o reforço das suas equipes de infraestrutura energética, meio ambiente e áreas afins. Os escritórios estão se capacitando para enfrentar o tema e aproveitar oportunidades, criando inclusive departamentos especializados para lidar com o H2V.

A explicação para tanto interesse pelo hidrogênio verde está não só em uma preocupação natural com os desdobramentos do aquecimento do planeta e das mudanças climáticas, que afetam inúmeros campos do direito, prejudicando cada vez mais pessoas, mas também no volume de recursos financeiros mobilizados por esse novo produto industrial renovável. Os maiores atores públicos e privados do mundo – grandes empresas, bancos, fundos de investimento e governos – estão muito envolvidos com essa energia nova, que já mobiliza um mercado bilionário, e que evolui rapidamente para a casa dos trilhões de dólares.

De acordo com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), os projetos de hidrogênio verde só no Brasil já somam mais de 188,7 bilhões de reais. Segundo a consultoria internacional de risco Deloitte, o comércio global de hidrogênio pode gerar mais de US$ 280 bilhões em receitas anuais de exportação até 2050, e mais de US$ 9 trilhões deverão ser injetados na cadeia global de abastecimento de hidrogênio limpo. Desse total, cerca de US$ 3 trilhões serão investidos em economias em desenvolvimento, particularmente o Brasil. Todos esses números são mais do que suficientes para se compreender o interesse dos maiores escritórios de advocacia empresarial no assunto.

Os processos ambientais se avolumam, e vai crescendo os casos de violação dos direitos energéticos e humanos. A questão do aquecimento global chegou até mesmo aos tribunais internacionais. A Corte Internacional de Haia começou as audiências sobre o papel e responsabilidade dos países nas mudanças climáticas. As indenizações crescem no âmbito privado, e agora é possível que Estados nacionais sejam responsabilizados também, e condenados a pagar ou de algum modo compensar as perdas de outras nações, em particular os países insulares que estão desaparecendo por conta do aumento do nível do mar.

Não há dúvidas, portanto, de que o hidrogênio verde chegou com bastante força ao mundo do direito, e os escritórios que estiverem mais preparados devem angariar mais clientes e processos relevantes numa área hoje absolutamente central no mundo. Como se trata de um segmento novo, os escritórios deverão investir muito em expertise, know-how e relacionamentos se quiserem participar com sucesso desse mercado trilionário, em que a própria sobrevivência da humanidade está em jogo. Não seria um exagero esperar uma verdadeira corrida entre as bancas de advogados por quem consegue se destacar no meio.

Há pelo menos três grandes momentos em que os escritórios de advocacia são chamados a participar. O primeiro é a fase da articulação institucional, mediação de interesses, segurança jurídica, definição de escopo, formação de contratos, sociedades, definições de obrigações, salvaguardas e garantias. O segundo, o de legalização dos terrenos, licenciamento ambiental, autorizações, advocacy, resolução de pendências e conflitos na fase de engenharia e construção, importação de maquinaria e formação e contratação do quadro de pessoal. Podemos adicionar aqui também a análise e viabilização de contratos administrativos atrelados a leilões ou qualquer outro tipo de demanda estatal, inclusive internacionais, além do aproveitamento dos incentivos fiscais e regulatórios concedidos à produção, comercialização e exportação.

E, finalmente, o último estágio, o acompanhamento legal durante as operações da indústria, certificação, comercialização e exportação do H2V e derivados, como metanol e amônia verde e combustíveis sintéticos, envolvendo indenizações, gerenciamento de crises, processos judiciais e extrajudiciais, contenção de danos, mudanças legais, tributação e a gestão jurídica dentro do complexo e politicamente sensível sistema elétrico e químico brasileiro, pois o hidrogênio verde envolve fontes renováveis eólicas, solares e hídricas, além de gasodutos e plantas de liquefação, armazenamento, captura de carbono e nitrogênio, e misturas moleculares, entre outros.

Os projetos de hidrogênio verde precisarão de boa assessoria jurídica se quiserem dar certo e, por sua vez, os escritórios de advocacia precisarão também investir se quiserem pegar fatias desse mercado. É uma nova indústria inteira que está emergindo, com todas as suas ramificações e cadeias de produção absolutamente essenciais para a nova economia global renovável. Assim como muitos escritórios ganharam muito dinheiro com o petróleo e se tornaram em verdadeiros impérios do direito, o mesmo vai acontecer agora com os negócios envolvendo o hidrogênio. Os mais adiantados sairão na frente, os retardatários irão se arrepender de não ter feito aquele esforço adicional para acompanhar as mudanças.

Apenas um único negócio de hidrogênio verde pode render em créditos advocatícios mais de meio bilhão de reais para um escritório especializado. Imagine isso multiplicado por dez numa boa carta de clientes e planos de negócios. Mas tal relacionamento privilegiado não cairá do céu, e não bastará apenas uma boa reputação prévia em outras áreas para obter esse relacionamento. Será necessário entrar para valer nesse jogo, de preferência desde o nascedouro dos projetos, estabelecendo conhecimento e confiança. Os escritórios que tiverem braços de direito energético renovável mais bem desenvolvidos, especialmente em hidrogênio verde, ficarão com os melhores contratos.

Vale lembrar que os investimentos em energia renovável já somam o dobro a mais dos investimentos em combustíveis fósseis. Foram dois trilhões de dólares apenas em 2023 em renováveis, enquanto os fósseis ficaram com um trilhão de investimentos globais, de acordo com a Agência Internacional de Energia (EIA). Toda a tendência é que essa diferença aumente a favor das energias verdes cada vez mais. Difícil imaginar outro ramo do direito mais promissor e lucrativo do que este, ainda mais quando o futuro do mundo está em jogo.

O hidrogênio verde é uma atividade intensiva em novas e velhas regulamentações, dentro de um imbricado e múltiplo regime jurídico, e com inúmeros desafios pela frente, muito deles invisíveis sem o devido conhecimento técnico. Em um ambiente novo como este, com incertezas nos campos tecnológicos, econômicos e ambientais, faz-se ainda mais importante a estabilidade e previsibilidade jurídica para fazer os negócios avançarem como desejado. Com a palavra, então, os melhores advogados do Brasil. E os melhores advogados neste caso precisarão ter também a coragem visionária de investir e participar ativamente desde já na construção dessa nova indústria nacional.

Publicado em 03/12/2024.

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