Marcelo Coutinho, analista sênior de hidrogênio prof.marcelo.coutinho@gmail.com
O país foi encoberto pela fumaça de queimadas criminosas. Criminosas porque são causadas pela ação humana duplamente, ao aquecer o planeta em demasia ou desmatar e tocar fogo diretamente nas florestas e campos. A um só tempo, Amazônia, Pantanal, São Paulo, Minas Gerais e Goiás estão em chamas como nunca se viu antes, levando a sérios problemas respiratórios na população e danos econômicos, com as pessoas nem podendo sair de casa por recomendação das autoridades públicas. Os combustíveis biológicos já deram no que tinha que dar. A transição energética é agora inexorável, embora nem tudo que reluza seja ouro verde.
Além da fumaça do fogo, há também muita espuma em torno das novas fontes de energia. Os biocombustíveis são parte do problema ambiental porque emitem carbono, promovem mudança no uso da terra, degradam o solo e superaquecem o “grande centro-oeste” brasileiro, gerando bolsões de calor e secura. O hidrogênio tirado do etanol, por sua vez, é apenas mais um traço falacioso desse mesmo problema, porque significa trocar seis por meia dúzia em matéria de degradação ambiental.
Já o hidrogênio verdadeiramente verde, em que pese ser de fato a melhor solução para as mudanças climáticas, ainda se fala equivocadamente muitas impropriedades técnicas sobre ele. A rigor, o maior problema do hidrogênio verde é que ainda produzimos pouco dele, aquém inclusive do que o mercado já pede. Um exemplo disso são os carros a hidrogênio nos EUA. Estão enfrentando dificuldade não por causa de algum problema técnico desses automóveis, mas simplesmente porque falta entregar o combustível aos postos. Já até existem estações de abastecimento em número razoável em alguns lugares, mas a produção de H2V ainda não acompanha, e não acompanha porque as petroleiras americanas tentam de toda forma empurrar o hidrogênio azul, que é fóssil. Mas essa barreira deve cair logo após as eleições presidenciais por lá. Na Europa e em países asiáticos, o mercado do hidrogênio caminha melhor, ainda que de maneira insuficiente.
A verdade é que, pensando num horizonte de 15 anos, o hidrogênio verde será protagonista em alguns setores e coadjuvante em outros. Será o principal componente da descarbonização da siderurgia, do transporte pesado e dos fertilizantes, para citar algumas áreas em que o H2V deve reinar soberano e quase de imediato. Já entre os veículos leves de passeio intraurbano, o H2V deve ser apenas complementar da frota, pois grande parte desse mercado específico será mesmo dominado pelos carros elétricos a bateria, ao menos temporariamente. É claro que depois de 2040, quando já houver postos de hidrogênio suficientes, aí é possível que o hidrogênio verde também se torne o principal combustível entre os automóveis pequenos, mas por enquanto não é este o enfoque.
Quando olhamos para os projetos em si, vemos também espuma. Muitos projetos de hidrogênio verde simplesmente não têm viabilidade econômica ou técnica. O principal motivo é a escassez atual e potencial de fontes primárias renováveis, já que o H2V é intensivo em água e energia elétrica limpa. Um exemplo concreto de espuma vazia de conteúdo são os projetos no Rio de Janeiro, um lugar que não tem sol nem vento suficientes para bancar uma grande fábrica de hidrogênio verde de forma competitiva. Basta olhar os relatórios de fator de capacidade eólica nos Boletins anuais da ABEEólica para ver que não adianta forçar a barra. O fator médio no Rio de Janeiro é de apenas 22%. O Maranhão tem o dobro disso, 43%. E a consequência dessa diferença é que o Rio de Janeiro produzirá um H2V no mínimo duas vezes mais caro que o H2V maranhense. Já em outros lugares, como o Ceará e a Bahia, o problema contratado é a seca crônica, que aumenta o preço e gera riscos sistêmicos de estresse hídrico e conflitos em torno da água. Isso sem falar dos corretores de exportação. Por razões técnicas, o hidrogênio vai sair do país pela Margem Equatorial, e vai descer para o Centro-Oeste pelo Maranhão.
Portanto, no atual estágio do mercado, a melhor coisa a se fazer para separar o joio do trigo, em matéria de hidrogênio verde e investimentos, é analisando a viabilidade dos projetos, caso a caso, sem paroquialismos. Não à toa, a SL Energias se dedicou antes de tudo a desenvolver boas modelagens de análise, com base nas quais se desenvolve então bons projetos. A partir dessas modelagens, que poucos no Brasil efetivamente controlam por se tratar de uma área nova, podemos já saber quais são as reais chances de o negócio dar certo e de que modo ele pode dar certo. Em algum momento a fumaça no país vai se dissipar, e aí veremos com clareza os projetos realmente vencedores, não na propaganda, mas na prática, à luz do sol.
Publicado em 26/08/2024