Professor Marcelo Coutinho, analista sênior de hidrogênio prof.marcelo.coutinho@gmail.com
Uma análise muito comum com relação ao hidrogênio verde conclui equivocadamente que ele ainda demorará para acontecer porque seu preço continua alto em relação aos combustíveis fósseis. Essa análise superficial é equivocada primeiro porque o H2V já está virando realidade em diferentes partes do mundo, como aqui examinamos em nossos últimos artigos. Ou seja, a tese de que vai demorar carece de verdade factual. Está no começo, mas a indústria do hidrogênio verde já emerge concretamente.
Em segundo lugar, o problema com esse tipo de conclusão enviesada do “preço caro” é que ignora solenemente o que se conhece no mercado como “preço premium”. A ignorância é tão flagrante que só pode ser proposital. O preço premium é o preço que muitos consumidores estão dispostos a pagar por diferentes razões, mesmo que esteja acima de produtos mais baratos disponíveis no mercado. Todo mundo tem algo que compra mais caro porque prefere aquele produto mais caro, mesmo com outro similar de menor valor na prateleira ao lado.
No caso do hidrogênio verde não se pode jamais esquecer do problema objetivo, real e urgente que cria a sua demanda: o aquecimento global que está destruindo o mundo como o conhecemos, que coloca inclusive a civilização em risco, e junto com ela todos os demais outros negócios. Este é motivo mais do que racional para alguém comprar mais caro por algo que emite zero carbono, seja na forma de dióxido de carbono ou metano, que alimentam as mudanças climáticas. Sem o H2V, até mesmo os negócios poluentes perderão dinheiro.
É obvio que sai mais barato pagar por algo caro agora para evitar um custo muito maior depois. Você esperaria baixar o preço do único remédio que pode salvar sua vida, ou daria um jeito de obtê-lo imediatamente? E se ainda por cima ele salvasse a vida da sua família inteira? Então, não existe preço elevado se a necessidade é muito maior. Ruim mesmo é se não houvesse solução, irremediável estaria. Os combustíveis fósseis e os biocombustíveis são o famoso barato que sai caro, muito caro. E nem são tão baratos assim, pois gozam há décadas de muitos subsídios do governo.
Aula básica de economia: a demanda, ao final, é o que estabelece o preço das coisas. Se tem em abundância ou sobreoferta, cai o preço. Se, por outro lado, é muito escasso ou ainda pouco produzido, valoriza-se quando se precisa dele para resolver um problema concreto. Desconheço problema global maior na atualidade que as ondas de calor, a seca, a baixa da humidade, dos reservatórios de água, as queimadas, as tempestades, as inundações, etc. Certamente, a Ucrânia em guerra total tem um problema maior em vista, mas mesmo quem está em guerra precisará de um mundo civilizado depois que a paz se restabelecer.
Em termos bastante mercadológicos, o hidrogênio verde tem hoje preço premium porque ainda é pouco produzido e já é muito demandado. A análise simplista quanto ao atual preço supostamente elevado do H2V ignora o valor adicional que muitas indústrias estão dispostas a pagar por ele. Ignora imperativos regulatórios, como, por exemplo, proibição da importação de aço na Europa. Ignora precificação do carbono, que pode inclusive se reverter em ganhos financeiros depois bem maiores do que os ágios pagos pelo produto original. Ignora até mesmo o acesso a financiamentos, linhas de crédito e incentivos fiscais.
Eu sinceramente não sei em que mundo estão os “analistas” que dizem que o hidrogênio verde vai demorar porque é caro, esperando pelo dia em que seja barato para começar. É cínico isso. Na verdade, sabotam, não querem que aconteça. As próprias empresas têm compromissos de sustentabilidade corporativa, com os acionistas cobrando pelo cumprimento de metas de emissão de carbono. Toda tecnologia nova é mais cara mesmo. Mas se ela é urgente como o H2V de fato é, então, tem-se premium mesmo no início. E não é prêmio de risco no investimento, e sim o risco de oportunidade somado ao risco de fim do mundo.
Duzentos anos atrás, também era mais caro tirar petróleo do fundo do poço do que matar baleia para gerar luz. Mas quem entendeu que o mundo estava mudando e precisava mudar fez fortunas à época, como Rockefeller. Os europeus já estão comprando H2V. Portanto, demanda imediata já tem. E os alemães vão pagar premium pela importação sem problema algum, como anunciaram em seus leilões. Além disso, tem empresas como a Vale que estão dispostas a pagar mais para começarem suas respectivas transições energéticas, e até mesmo consumidores individuais estão buscando alternativa.
Exemplo são os ricos que querem passar a abastecer os seus carros de luxo com gasolina sintética derivada do H2V, feita pela Porsche. Querem manter seus automóveis a combustão, mas têm consciência ambiental. No caso aí, há o que se chama de preço inelástico. Na economia, um produto é considerado inelástico quando a demanda por ele não varia muito em função de alterações no preço. Se os ricos querem e podem pagar mais por essa gasolina net zero para passear a quatro ou duas rodas com suas consciências tranquilas, então, pagarão. Continuarão pagando muito mais por relógios ou perfumes importados do que pelo H2V premium.
O hidrogênio verde é caro, mas já tem quem compre, e quem lucre muito com isso e vá lucrar muito mais. Se alguns “analistas” não querem investir porque colocaram o futuro e seu dinheiro em outro negócio poluente, o problema é deles e quem for enganado por eles. Vão se arrepender ou mesmo quebrar cedo ou tarde, pois o H2V veio para ficar e não pode mais ser parado. Graças a Deus!
Publicado em 26/09/2024