Marcelo Coutinho, Professor Doutor e Coordenador do curso de hidrogênio verde da Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ.
A Petróleo Brasileiro S.A parece ter feito sua escolha pelo hidrogênio verde, tendo em vista a distribuição dos investimentos da empresa até 2028. A Petrobrás investirá muito mais em H2V do que em qualquer outro hidrogênio. Os investimentos previstos em eólicas offshore pela Petrobrás entram na conta do H2V porque não faz sentido econômico nem energético tantos recursos para gerar energia elétrica sem produzir o que aqui batizei, em artigo anterior, de hidrogênio inorgânico renovável (HIR). As usinas eólicas offshore serão, portanto, para fabricar o hidrogênio verde. O Maranhão já foi também incluído nesse planejamento de investimentos na margem equatorial justamente por sua inequívoca vocação eólica e hídrica.
A escolha da Petrobrás pelo H2V (HIR) se deve à maior tendência do mercado global, já bem mapeada por todas as consultorias internacionais, mas sobretudo se deve também ao fato de termos um potencial eólico e hídrico tão grande que tornará o hidrogênio verde feito aqui muito mais barato. Além disso, o hidrogênio inorgânico renovável é comprovadamente o único hidrogênio limpo de verdade. Não emite carbono quando produzido nem quando consumido. E tampouco se esgota. Tanto suas fontes primárias quanto ele próprio são renováveis.
Os demais hidrogênios estão longe de serem limpos como o H2V, sendo assim injusto confundi-los. Os hidrogênios fósseis e de biomassa, incluindo o etanol, são orgânicos, logo emitem carbono, ainda que em quantidades diferentes. Os fósseis emitem na extração e provavelmente também no armazenamento subterrâneo, e os de biomassa emitem sobretudo no desmatamento do terreno antes da plantação e no seu processamento. Os hidrogênios que precisam de plantações, como a cana de açúcar e o milho, estão inexoravelmente atrelados ao desflorestamento no país. Inúmeros estudos já mostram isso. Ou eles desmatam ou avançam sobre outras culturas e pecuária, que por sua vez vão para outro lugar desmatar, o que acaba dando no mesmo. Isso fora as queimadas, acidentais e provocadas.
Com relação ao hidrogênio natural, em primeiro lugar não é renovável porque acaba conforme é explorado, além de ser raro e de menor viabilidade econômica. Em segundo lugar, esse tipo de hidrogênio aumenta consideravelmente as chances de vazamentos maiores que possam acabar dificultando a limpeza na baixa atmosfera porque dificultam a quebra do metano por meio de uma reação química do radical de hidroxila (OH). Tais vazamentos no meio ambiente – que podem se dar em qualquer tipo de produção de hidrogênio ou de outro gás – são facilmente controlados com sensores em dutos e áreas de armazenamento, e logo corrigidos sem danos. Porém, em ambientes geológicos fica bem mais difícil fazer isso. Com essas ressalvas, o natural é o segundo melhor tipo de hidrogênio.
É importante destacar que o risco de prolongamento do metano na atmosfera surge sobretudo em métodos de produção de hidrogênio que usam o metano (gás natural) como insumo. No caso do hidrogênio azul, por exemplo, bastaria um pequeno vazamento de metano (0,5%) e de hidrogênio (5%) na sua produção para começar a ser quase tão nocivo para o aquecimento global quanto o uso do gás natural em si. Algo semelhante ocorre nas usinas de hidrogênio de biomassa, porém sem o complicador geológico envolvido. Já o hidrogênio verde, em contraposição, tem baixíssimo risco de o problema ocorrer porque seria necessário um vazamento extraordinário superior a 10% para começar a retardar a quebra do metano emitido na atmosfera pelos combustíveis orgânicos. Nunca é demais lembrar que o H2V é zero metano também. E mesmo que tais vazamentos extraordinários acontecessem por total inoperância, os estudos indicam que ainda assim o H2V traria benefícios líquidos para o clima
Por sua vez, o hidrogênio nuclear também não é renovável, embora seja inorgânico. Além disso, a energia nuclear traz um estigma já consolidado na sociedade com seu histórico de acidentes. São poucos, mas de proporções tão preocupantes que acabou sendo deixada de lado. Gera uma quantidade grande de lixo radioativo, que no final das contas ninguém tolera, a não ser aqueles lugares muito específicos no mundo, onde nada mais funciona para geração de energia com segurança. Um ponto importante a sublinhar nessa modalidade energética é sua vulnerabilidade justamente ao aquecimento global. Por causa do calor excessivo que as superaquece, as turbinas e reatores nucleares precisam ser desligados como aconteceu novamente na Europa no último verão, acabando por recorrerem, assim, aos combustíveis fósseis. Ou seja, a energia nuclear não é segura para combater o aquecimento no longo prazo.
No caso do biogás ou do hidrogênio do biometano, esse método é mais limitado em termos de quantidades e emite carbono nas fases de seleção e processamento do material. E mais importante, antecipa em dois ou três anos as emissões por intermédio dos seus biodigestores que aceleram o processo natural. Um resíduo sólido que levaria um tempo maior para se degradar no meio ambiente e, consequentemente, emitir carbono, acaba precipitando essas emissões em semanas. O metano, como todos sabem, aquece muito mais do que o dióxido de carbono e leva quase cem anos para sair da atmosfera. Por fim, a pirólise do metano emite carbono na produção do gás natural e também durante o ciclo de vida do carbono sólido formado na reação.
Portanto, de uma forma ou de outra, todos esses hidrogênios são sujos e/ou não renováveis, ainda que em proporções assimétricas. A única exceção é o hidrogênio verde, de fato limpo e virtualmente sem fim. Isso nos leva à conclusão de que a Petrobrás fez a escolha certa pela molécula inorgânica renovável. Poderá produzi-la em escalas industriais gigantescas e muito competitivas. Quanto mais produzir o H2V, mais limpo ele será porque vai descarbonizando pouco a pouco também toda a cadeia produtiva que o precede. Isso não significa que a Petrobrás não vá produzir outros hidrogênios de forma complementar. Certamente irá em alguns lugares, a depender das suas vantagens comparativas circunstanciais. Porém, parece claro que a Petrobrás, muito mais do que uma subsidiária do hidrogênio, como acontece com os biocombustíveis, desenvolverá um braço digno do nome Hidrogênio Brasileiro S.A.
Todos os hidrogênios são úteis, mas o H2V é inigualável. As consultorias internacionais são unânimes em apresentar o hidrogênio da água por energia renovável (vento e sol) como a rota mais promissora tanto do ponto de vista ambiental quanto econômico, ainda mais no Brasil, que tem condições excepcionais para produzir o hidrogênio verde, com o Maranhão liderando o potencial dos futuros produtores. Por fim, vale salientar que todos os combustíveis derivados ou refinados do H2V – como o e-metanol, o e-querosene e o e-diesel – são também zero carbono e renováveis porque estes combustíveis sintéticos, ou e-fuels, como também são chamados, ocorrem com captura de carbono no ar (DAC).
Combustíveis | Não emissores de carbono | Emissores de carbono |
Renováveis | – Hidrogênio verde (H2V ou HIR); – Combustíveis sintéticos (derivados do H2V e-fuel com DAC). | – Hidrogênio de biomassa; – Biocombustíveis (etanol, biodiesel, biogás, biometano). |
Não renováveis | – Hidrogênio natural; – Hidrogênio nuclear. | -Hidrogênio azul (baixo carbono); – Hidrogênio cinza e turquesa; – Carvão, petróleo e gás natural. |