Marcelo Coutinho, analista de hidrogênio, professor doutor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ.
Logo no início deste ano, publiquei um artigo pioneiro no Correio Braziliense intitulado “Hidrobrás”, com o intuito de chamar a atenção especialmente da Petrobrás para os desafios que a própria empresa brasileira passaria a partir de agora com a obrigatoriedade de uma transição energética global face às mudanças climáticas. A bagunça no clima provocado pela emissão de gases efeito estufa aflige crescentemente o planeta, levando a mortes e destruição como ficou mais uma vez provado agora desde os terríveis ciclones seriais no sul do Brasil até a onda de calor que castiga a Europa, os EUA, a Ásia e o norte da África.
Esta é a última década da era do petróleo. O mundo está entrando na idade do hidrogênio. Então, seria mais do que esperado que a Petrobrás, mesmo não mudando de nome para Hidrobrás, tivesse já colocado em prática um programa consistente de transição da sua principal fonte de energia. Mas infelizmente isso não aconteceu. Ao contrário. A maior empresa de petróleo do país insiste no caminho de poluir batendo recordes ainda mais nos próximos anos com a justificativa de acumular capital para só então financiar depois a transição no sentido das fontes renováveis. Essa desculpa não cola. Algumas empresas de petróleo no exterior já começaram a fazer essa mudança, pois sabem que o mundo tem pressa, e a Petrobrás tem dinheiro de sobra para já dar início a uma renovação.
A rota do petróleo, do carvão e do gás natural nos aproxima perigosamente das profecias apocalípticas, que geralmente salientam o papel do fogo e do mar invadindo as cidades. “O Senhor tomará a cidade, sepultará no mar sua riqueza, e a cidade será devorada pelo fogo” (Zacarias 9: 4). A alusão ao calor extremo e aumento do nível do mar é terreno fértil para preocupações sobre as quais a Bíblia e a ciência parecem concordar. Se não tomarmos as devidas providências logo para reduzir drasticamente a emissão de dióxido de carbono e metano na atmosfera, não há dúvida de que o cenário se tornará muito sombrio. Não foi à toa que os italianos batizaram a quentura na Europa de Cerberus, o monstro de três cabeças que aparece no inferno de Dante.
Diante da resistência da Petrobrás em desde já investir para valer no hidrogênio verde, algumas empresas privadas na área de energia renovável assumem essa liderança. É o caso, por exemplo, da SL Energias S.A no Maranhão, e da Casa dos Ventos no Ceará. Iniciativas privadas como essas bilionárias estão avançando num dos novos ramos industriais mais promissores do mundo. A indústria do hidrogênio é central para o desenvolvimento de agora para frente. As petroleiras insistem em confundir o debate público misturando projetos de hidrogênio verde, eminentemente renováveis, com o hidrogênio azul, que é um combustível fóssil. Tentam agora mudar os projetos de lei que tramitam no Congresso de forma a acabar com as cores que definem o caráter do hidrogênio, com objetivo de igualar artificialmente processos muito distintos entre si.
Os consumidores, os investidores, e a população em geral têm o direito de saber quais dessas opções de hidrogênio são de fato renováveis e qual delas dá sobrevida aos combustíveis fósseis, ainda que estes venham com captura de carbono. A classificação em cores separa bem a origem do hidrogênio, e não deveria, portanto, ser escondida sob falsos pretextos. É preciso reconhecer a prioridade que o hidrogênio verde (o chamado H2V) deve ter sobre o azul no tocante aos subsídios e incentivos fiscais. Do ponto de vista das emissões de gases efeito estufa nada é tão bom para a humanidade quanto o hidrogênio verde, que tem a menor pegada de carbono entre todas as outras formas de energia, incluindo os biocombustíveis, com 1,8 Kg de CO2 por Kg de hidrogênio produzido.
Estudos demonstram também que o hidrogênio verde é mais competitivo do que o hidrogênio baseado em biomassa. Segundo a WWF-Brasil, do ponto de vista econômico, a eletrólise com energia eólica é a que apresenta menor custo (US$ 5,9/Kg), seguida pela reforma do etanol (US$ 7,4/Kg) e depois com energia solar (US$ 9,5/Kg). Além disso, é sempre importante lembrar que embora sejam opções melhores do que os hidrogênios fósseis, os hidrogênios de origem orgânica como o etanol e o biogás, e o próprio o biometano, têm o problema delicado de expandir o uso da terra para produção em escala global, acelerar as emissões com os biodigestores de 2 anos para 3 semanas, e capacidade limitada das plantas absorverem de volta o CO2 na atmosfera. Além disso, é questionável a necessidade de transformar combustíveis de mercados já consolidados em outro combustível, reformando, por exemplo, o etanol para produzir o hidrogênio.
Portanto, seja qual for o critério, ambiental ou financeiro, a indústria emergente do hidrogênio verde é a melhor opção, o que justiça ser privilegiada nas políticas do governo e nas regulações setoriais. Os recentes leilões offshore na Alemanha demonstram de maneira cabal que esta é uma situação que já está madura para decolar no mercado internacional. Os leilões de eólicas em mar para produzir hidrogênio verde no Brasil podem alcançar 1 trilhão de reais! Certa vez se disse que o PreSal era o passaporte nacional para o futuro. A história mostrou que isso não era verdade. Estamos onde estávamos, ou até um pouco piores. O futuro real do Brasil tem nome, tem sobrenome e lugar: hidrogênio verde.