Marcelo Coutinho, Professor PhD e Coordenador do curso de hidrogênio verde da Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ. A maior autoridade no assunto no país.
É importante que os brasileiros saibam, e os investidores também, que não existe apenas um tipo de hidrogênio, e que a depender da maneira como ele é feito, pode ser limpo ou sujo, pode poluir ou não. O único tipo de hidrogênio verdadeiramente zero carbono é o chamado hidrogênio verde (H2V). Todos os demais poluem ou apresentam riscos consideráveis de emitir dióxido de carbono e metano. Se o problema é o aquecimento global provocado pelos gases de efeito estufa, e o problema é mesmo esse, então a melhor solução é o hidrogênio da água a partir de fontes renováveis.
Interesses particulares dos produtores ou potenciais produtores de outros hidrogênios estão levando o Congresso Nacional e o debate público no país a misturar os tipos de hidrogênio na lei que está sendo elaborada, com a alegação de que não existe apenas uma única rota de descarbonização. De fato, existem vários métodos para separar as moléculas de hidrogênio, mas somente um não emite carbono nenhum na sua fabricação e nem no seu uso, seja em veículos ou na indústria. E esse 100% limpo é o hidrogênio verde.
Quem defende outros termos como “hidrogênio de baixo carbono”, ou mesmo “hidrogênio renovável” está na verdade encobrindo uma verdade ao dizer que o hidrogênio verde também emite carbono em sua cadeia de produção. Veja bem, o diabo mora nos detalhes. Evidentemente, que neste momento todos emitem carbono de alguma forma porque todos os tipos de hidrogênio dependem de outras indústrias que fazem as máquinas das usinas. Porém, apenas o H2V pode descarbonizar toda a cadeia que antecede a sua produção à medida em que for produzido. Nenhum outro pode fazer isso.
Nenhum outro tipo de hidrogênio pode limpar toda a cadeia de produção pelo simples fato de que todos eles – exceto o hidrogênio verde – são hidrogênios orgânicos e, sendo assim, emitem carbono de uma forma ou de outra, na sua produção e/ou no seu consumo. O único hidrogênio inorgânico renovável é o hidrogênio verde. O único! Ou seja, o H2V não só é o melhor método, como é o único que pode de fato parar de emitir carbono para a atmosfera. Quando tivermos H2V em quantidade suficiente, até os aerogiradores dos parques eólicos, usados como fonte primária, serão feitos com energia e insumo zero carbono, ou algo muito próximo disso.
Atualmente, mesmo com toda a indústria de peças e equipamentos ainda muito poluente, o H2V emite em toda a sua cadeia 1,7 kg de CO2 por quilo de hidrogênio produzido. As leis internacionais determinam que o hidrogênio limpo não pode passar de 2 Kg de CO2 por 1 Kg de hidrogênio. Nenhum outro tipo de hidrogênio consegue ficar abaixo desse limite padronizado internacionalmente com a facilidade do H2V. Nenhum! Agora imagine quando tivermos milhões de toneladas de H2V no mercado, e as peças e equipamentos puderem ser feitos com H2V e não com outros insumos e combustíveis poluentes?
Então, o hidrogênio verde é, sim, o único zero carbono em sua produção e consumo, e o único zero carbono tanto como combustível quanto como insumo industrial para diversos setores da economia. Se o H2V ainda tem uma pegada de carbono não é por culpa sua, ou do seu método. Essa pegada de carbono não tem a ver com ele, mas com a cadeia de produção que o precede. O hidrogênio verde é uma ilha net zero dentro de um mundo ainda muito carbonizado. Já todos os outros hidrogênios são inerentemente emissores de carbono ou não renováveis, menos o H2V, genuinamente limpo.
Alguns não gostam da simpática adjetivação verde do H2V. Acham que a classificação em cores do hidrogênio é contraproducente. Pois, se não gostam das cores, podem chamar o H2V também de hidrogênio inorgânico renovável. É um termo técnico impecável e que vai bem ao ponto. Temos que descarbonizar urgentemente a economia de forma sustentável para evitar tragédias ambientais crescentes, e descarbonizar significa fugir do que é orgânico na produção e no consumo de combustíveis e insumos industriais. O hidrogênio fóssil é orgânico (azul ou cinza). O hidrogênio do etanol ou da biomassa também é orgânico, embora polua menos que o fóssil. Todos esses poluem porque são orgânicos, emitem carbono.
Antes que falem em armazenamento de carbono, vale lembrar que não há qualquer segurança nesses gigantescos e perpétuos cemitérios artificiais de CO2. Além disso, a emissão acontece na própria extração dos hidrocarbonetos do solo antes mesmo da separação das moléculas. E com relação aos biocombustíveis, eles são feitos a partir do desmatamento, direta ou indiretamente. A produção de alimentos domina as emissões de gases poluentes no Brasil. Cana e milho são alimentos antes de virarem etanol. Isso para não falar que o aquecimento global está prejudicando a fotossíntese, ou seja, nem todo o carbono emitido é reabsorvido pelas plantas. O etanol não é verde. Ele também está por trás do histórico de desflorestamento no país.
Com tudo isso, não se quer dizer que todos os demais tipos de hidrogênio devam ser abandonados. Sou contra apenas essa confusão que estão fazendo, muitas vezes por interesses próprios. A lei do hidrogênio deveria, sim, fazer uma distinção especial ao hidrogênio verde ou hidrogênio inorgânico renovável. Ao menos sua certificação precisa ser garantida de modo transparente para que investidores e consumidores saibam com clareza a procedência do hidrogênio com o qual se envolvem. As políticas de incentivo devem se dirigir ao H2V (ou HIR), preferencialmente. Do contrário, o Brasil emitirá sinais confusos ao mundo e desperdiçará uma enorme oportunidade de desenvolvimento sustentável.