Hidrogênio verde e salvamento climático: 1,5˚C chegou

Marcelo Coutinho, Professor Doutor e Coordenador do curso de hidrogênio verde da Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ.

Não é por acaso que o Papa confirmou pela primeira vez na história sua presença na conferência mundial COP28, em Dubai. O mundo caminha perigosamente para um terreno desconhecido no clima, e a única forma de evitar desastres ambientais de proporções apocalípticas é a transição energética centrada na produção de energia renovável e hidrogênio verde em grande escala.

O gráfico abaixo mostra a dramaticidade que está se instaurando com o aquecimento do planeta promovido pela humanidade. A curva das temperaturas médias sugere fortemente que iremos alcançar o limite de 1,5 graus Celsius estabelecido no Acordo de Paris muitos anos antes do que se imaginava, algo que deveria deixar a todos bastante impressionados.

Centenas dos mais competentes cientistas de todo mundo, incluindo brasileiros, já deram o alerta final no Painel da ONU no início do ano, e novos estudos publicados mais recentemente reforçam a importância desse alerta, cabendo agora aos governos implementarem planos de descarbonização da economia da forma mais rápida possível. Mas por que as energias renováveis, e em especial o hidrogênio inorgânico renovável (HIR), são tão fundamentais para combater o aquecimento global? É isso que buscarei explicar nos próximos parágrafos resumidamente.

O dióxido de carbono é o grande regulador da temperatura no mundo. Quando ele cai muito em concentração na atmosfera, o mundo congela, e quando sobe demais, o planeta ferve. Em ambas situações extremas temos extinção em massa, com até 85% das espécies desaparecendo (isso já aconteceu algumas vezes). A única forma da humanidade sobreviver bem é com o clima estável, algo raro no planeta, mas que foi obtido há mais ou menos 12 mil anos, após a última era glacial. Todas variações climáticas sistêmicas do passado pré-histórico foram causadas por fenômenos naturais. Mas dessa vez a culpa é nossa. Os dados que confirmam isso são abundantes e muito claros. Vivemos o período do que cientistas chamam de antropoceno.

A humanidade emite hoje de 60 a 300 vezes mais dióxido de carbono na atmosfera do que todos os vulcões em épocas remotas, comparativamente. O que a natureza levava milhares de anos para mudar o clima, fazemos agora em questão de décadas. Para se ter uma ideia, em um desses períodos de grande aquecimento por causas naturais, 56 milhões de anos atrás, conhecido como o Máximo Térmico do Paleoceno-Eoceno, os vulcões emitiam em média 0,6 bilhão de tonelada de CO2 ao ano. Atualmente, as sociedades emitem 40 bilhões de toneladas de CO2, ou seja, 67 vezes mais. Se os vulcões em erupção generalizada levavam 4 mil anos para subir 2 ˚C a temperatura na Terra, hoje levamos apenas 60 anos para fazer o mesmo, e com os vulcões relativamente estabilizados, conforme também confirmam as evidências.

Considerando que a temperatura global média está subindo já em 2023 na linha de 1,5 ˚C, então nos restariam somente algo como 20 anos para alcançar o patamar de aquecimento sem retorno (2 ˚C), isto é, o nível depois do qual se torna inevitável coisas como a evacuação em massa das cidades costeiras, com o deslocamento de centenas de milhões de pessoas, ou mesmo bilhões de pessoas em todo mundo para longe das suas casas. A comunidade internacional não dá conta de 2 milhões de refugiados agora, imagine bilhões de deslocados internos, mesmo que eles cresçam pouco a pouco em número. Isso para ficarmos em uma das consequências do aquecimento do planeta. Acredite, existe possibilidade concreta de coisas ainda piores acontecerem.

Só há uma forma de evitar esse apocalipse climático já encomendado que é reduzindo as emissões de carbono com bastante celeridade e de forma substancial. Não há outra forma a não ser substituindo os combustíveis fósseis pela combinação da energia eólica/solar com o hidrogênio verde (H2V ou HIR) e eletrificação renovável, e também parando de ampliar a produção de combustíveis de biomassa como o etanol porque esses promovem queimadas e desmatamento, o maior responsável pelas emissões de carbono no Brasil.

Em resumo, sem a produção em escala industrial do hidrogênio verde, não há solução para o abismo já aberto pelo efeito estufa exacerbado. Embora também seja um ótimo negócio altamente rentável em lugares como o Maranhão, a transição energética para o H2V não se trata apenas de business, mas sobretudo da sobrevivência das populações em toda parte.

Evidentemente que o hidrogênio inorgânico renovável não fará todo o trabalho de salvamento climático sozinho, pois serão também necessárias outras soluções setoriais como baterias para veículos pequenos de passeio e bombas elétricas para casas e escritórios. Mas o hidrogênio verde ocupa o centro principal dessa transição, e por isso o mundo desenvolvido inteiro caminha para ele.

O hidrogênio verde descarboniza tanto o setor de combustíveis globalmente como também os insumos industriais em uma variedade grande de ramos da economia. O H2V é zero carbono na produção e no consumo. A parte em que ainda não é net zero se deve não a ele, mas à cadeia de produção carbonizada que o precede. Mas mesmo ela será pouco a pouco descarbonizada também com a adoção da nova energia limpa.

Em que pese toda essa urgência, o Brasil já perdeu lamentavelmente a primeira onda de investimentos no H2V que se deu em outros países este ano. O Brasil já perdeu muito dinheiro. E perdemos por conta exclusiva da demora em aprovar um marco legal que de fato incentive que essa indústria nascente e sua cadeia de valor venham para o Brasil. Não adianta o país dizer que é campeão em energia renovável sendo o último a aprovar uma legislação compatível, que envolva o hidrogênio verde, prioritariamente. Ninguém mais acredita em paliativos e palavras ao vento. Chegou a hora da verdade, com os ventos soprando para o H2V ou para o abismo.

Publicado em 6/11/2023.

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