Marcelo Coutinho, Professor Doutor e Coordenador do curso de hidrogênio verde da Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ.
O hidrogênio verde teve sua primeira grande vitória legislativa no âmbito federal. A Reforma Tributária aprovada pelo Senado no dia oito de novembro concede incentivos fiscais importantes para o H2V. As empresas de hidrogênio verde terão regime especial de tributação que as favorecerá bastante. Os impostos que incidem sobre o novo combustível e insumo industrial zero carbono serão significativamente menores tanto de forma direta quanto também sobre sua cadeia produtiva em relação aos demais setores da economia.
Foi uma emenda da bancada cearense no Senado que conseguiu a proeza de superar as barreiras de um ambiente fiscal muito restritivo no país e que ameaçavam projetos de transição energética fundamentais para combater as mudanças climáticas. A emenda de autoria da Senadora Augusta Brito foi a única incorporada ao texto final pelo relator do Amazonas, Eduardo Braga, na reforma depois aprovada pelo plenário da Casa em dois turnos. A reforma seguiu para a Câmara Federal, e não se espera que os deputados alterem essa parte da emenda constitucional. As expectativas não podiam ser melhores.
A emenda que beneficia a produção de hidrogênio verde acatada pelo relator da Reforma Tributária no Senado coloca o H2V em decisiva vantagem fiscal em relação a qualquer outra energia orgânica, fóssil ou biomassa, no país. Ou seja, se o negócio com o hidrogênio inorgânico renovável (HIR) no Brasil já era muito bom, agora ficou ainda melhor, pagando bem menos impostos com regime tributário privilegiado. Tal favorecimento se justifica porque a indústria do hidrogênio verde é nascente, e em toda parte do mundo, a começar pelos EUA, tem tido subsídios para se desenvolver, o que é bastante natural.
Os demais combustíveis orgânicos, etanol, petróleo e gás natural, todos emissores de carbono, já tiveram subsídios demais no Brasil, o que beneficiou usineiros e petroleiras de maneira até injustificável muitas vezes, ainda mais em tempos de aquecimento global. A gasolina e o diesel gozam até hoje de 130 bilhões de reais por ano em subsídios no país. Os biocombustíveis também já receberam ajuda demais do Estado, com programas de incentivos públicos exclusivos por muitos anos. Assim, empresas que já ganham tanto foram ainda mais favorecidas ao longo de décadas.
Mas agora com a reforma tributária será diferente. Apenas o hidrogênio verde terá incentivo fiscal constitucional, e isso está corretíssimo tanto do ponto de vista ambiental quanto econômico porque se trata efetivamente de uma energia limpa que reindustrializará o país, gerando mais empregos, tecnologia e valor agregado, sem emitir gases efeito estufa. Ainda será preciso a Câmara aprovar a reforma e, depois, lei complementar. Algumas bancadas ainda tentarão mexer no texto para manter os velhos privilégios carborizantes de sempre, que não são mais toleráveis por razões fiscais e climáticas.
Outra importante notícia vem do Presidente da Câmara Federal, Arthur Lira, que prometeu usar todo seu peso político para aprovar até dezembro um projeto que destina nada menos do que 3,5 trilhões de reais a empreendimentos de desenvolvimento sustentável. Este estupendo montante de recursos sairia de um grande fundo verde a juros bem abaixo do mercado, montado a partir das dívidas de precatórios, do direito a ressarcimento de impostos e das dívidas tributárias das empresas, que teriam, assim, destravada boa parte da sua receita para novos investimentos antes retidos no balanço por lei.
Esse novo fundo verde trilionário será administrado pelo BNDES, que também será responsável pela seleção prévia dos projetos de acordo com sua sustentabilidade ambiental e viabilidade econômica. O financiamento na ponta seria feito pelas próprias instituições financeiras com a garantia da operação lastreada justamente nos precatórios e dívidas tributárias, sem ônus extra para a União já que não se trata de encargos novos, mas de dinheiro preso na burocracia. Os estados também poderão aderir ao fundo.
Trata-se, portanto, de uma engenhosa solução para financiar a transição energética nacional de forma efetiva. Esse fundo não vai beneficiar apenas o hidrogênio verde, como seria o ideal do ponto de vista climático, mas também o etanol e os biocombustíveis, que têm, como todos sabem, sérios problemas de emissão muito atrelados ao desmatamento no país. Em que pese isso, o fundo ajudará de qualquer forma o desenvolvimento dos projetos de hidrogênio verde, que no final das contas se mostrarão muito mais competitivos também, além de serem zero emissores de carbono.
Por fim, é possível ainda que o projeto do fundo possa ser melhorado no sentido de privilegiar o H2V nos financiamentos finais, estabelecendo, por exemplo, cotas de 70% a 80% para o hidrogênio inorgânico renovável, e 30% a 20% para os demais. Com este grande fundo de investimentos somado aos incentivos tributários exclusivos da reforma aprovada no Senado, a indústria do hidrogênio verde estará pronta para nascer no país forte o suficiente para adquirir liderança mundial. O H2V brasileiro tem tudo agora para fechar o ano com uma estrutura de subsídios e financiamento bastante robusta e à altura dos desafios que estão pela frente.