Indústria do hidrogênio: o começo da decolagem.

Professor Marcelo Coutinho, analista sênior de hidrogênio verde.

O ano ainda não acabou, mas já podemos afirmar que 2024 demarca o início da decolagem do hidrogênio verde como o novo combustível e insumo industrial renovável que substituirá o petróleo nos próximos anos e décadas. E essa certeza não é só consequência de quem acompanha tudo bem de perto. Acaba de sair o mais novo e completo relatório periódico sobre a situação concreta dos projetos de hidrogênio limpo no mundo todo, e o resultado não poderia ser melhor.

Temos já veículos de todos os tipos e marcas movidos a hidrogênio, com tecnologia perfeitamente testada e madura. Mas agora, com o estudo da Hydrogen Council/Mckinsey & Company, publicado esta semana, temos uma boa visão também do que está acontecendo no campo da produção do novo combustível verde. Com base em dados verificáveis e sistematizados, podemos constatar que os projetos de fábricas de H2V começam finalmente a dar passos concretos pelos quatro continentes.

Patrocinado por dezenas das maiores empresas do mundo em diversos setores e de diferentes países, o estudo do Hydrogen Council comprova que a produção de hidrogênio verde deixou de ser uma quimera para começar a virar uma realidade e crescente. Os dados não deixam margem a dúvidas: houve uma explosão nos projetos de H2V nos últimos meses, com um progresso claro e agora mais rápido com relação aos relatórios anteriores, que já davam sinais de avanço, porém menores do que os verificados este ano.

A indústria do hidrogênio verde ainda enfrenta desafios em alguns lugares, mas de modo geral cresceu o número de projetos, as decisões de investimento e até mesmo as instalações das fábricas. Os projetos de hidrogênio limpo que alcançaram a decisão final de investimento (FID) cresceram de forma inequívoca e espetacular de 102 projetos comprometidos em 2020, representando cerca de 10 bilhões de dólares em investimentos, para 434 em 2024, representando cerca de 75 bilhões de dólares.

Embora o pipeline de projetos globais tenha crescido sete vezes mais desde 2020, de 228 projetos em 2021 para 1.572 projetos em 2024, isso nem é o mais importante para o diagnóstico altamente positivo de que a cadeia de valor está mesmo se formando em torno do novo H2. Observou-se no período uma crescente maturidade dos projetos de H2V, evoluindo em direção aos projetos de engenharia, ou Front-End Engineering Design (FEED), que consiste em etapa posterior ao estudo de viabilidade. Ou seja, uma parcela maior dos projetos passou de anúncios para estágios mais avançados. Entre 2020 e 2024, os investimentos feitos em FEED aumentaram em 20 vezes.

O total de investimentos nas fases dos projetos aumentou de 90 bilhões de dólares em 2020 para 390 mil milhões de dólares em 2022, e 680 bilhões de dólares em 2024. Projetos em escala giga representam mais da metade desses, isto é, mais de 380 mil milhões de dólares. De acordo com o estudo, este crescimento demonstra o compromisso contínuo do setor privado em desenvolver projetos de hidrogênio em geral, mas sobretudo de hidrogênio verde. Em 2020, projetos em etapa anunciada representaram 55% do capital total potencial alocações, embora isso tenha sido de apenas 45% em 2024, indicando, assim, uma clara maturação dos projetos existentes.

Além de crescer o investimento em estágio mais avançado, cresceu também a mediana do tamanho dos investimentos para projetos na fase comprometida, de 5 milhões de dólares em 2020 para 25 milhões de dólares em 2024, demonstrando com isso que os projetos ficaram cinco vezes maiores. Por sua vez, os projetos centrados no fornecimento de hidrogênio limpo expandiram de 60% do total dos investimentos em 2020 para 75% em 2024, o que significa que a produção do H2V tem mesmo prioridade nesse mercado, muito mais do que o chamado hidrogênio de baixo carbono, de origem fóssil ou da biomassa.

O crescimento da indústria do novo hidrogênio aconteceu na maioria das regiões, tanto em termos de investimentos quanto em número de projetos. Mas isso ocorreu em ritmos e qualidades diferentes entre as regiões. Enquanto a Europa e a América Latina se inclinam para o hidrogênio renovável (11 Mt por ano e 7 Mt por ano, respectivamente), a América do Norte se volta mais para o hidrogênio de baixo carbono (7 Mt/ano). A América do Norte é responsável por 90% do compromisso com H2 de baixo carbono, e a China é responsável por 55% dos compromissos com H2 renovável.

De acordo com o relatório, Japão e Coreia do Sul apresentaram o maior crescimento relativo dos investimentos (130%), enquanto a Índia trouxe um crescimento de 110%, seguido pelo restante da Ásia, incluindo China, com crescimento de 75%. A Europa continua a ter o maior número de projetos (617), seguido pela América do Norte (280). A Europa também tem os maiores investimentos totais anunciados (US$ 199 bilhões). América Latina tem o segundo maior volume dos investimentos anunciados (107 bilhões de dólares), enquanto a América do Norte tem o terceiro maior investimento (US$ 96 bilhões) e o maior crescimento absoluto anunciado de investimentos (US$ 28 bilhões).

No estágio final – estágio denominado comprometido – China (31 bilhões de dólares) e América do Norte (17 bilhões de dólares) contribuem com mais de 60% dos investimentos, sendo a maioria desses na produção e no abastecimento. Europa, Japão e Coreia e Médio Oriente concentraram-se na utilização final do produto. Índia e Oceania registraram um aumento em investimentos em projetos da fase FEED da ordem de 28 bilhões e 12 bilhões de dólares respectivamente. Na América Latina e a Oceania, constatou-se grande parte dos investimentos em projetos em fase de viabilidade, 70 e 37 bilhões de dólares, respectivamente.

Os investimentos na produção de hidrogênio e no fornecimento representam 75% do total dos investimentos, seguidos por 15% no uso final e 10% de investimentos em infraestrutura. 1.572 projetos de hidrogênio foram anunciados globalmente, 1.125 dos quais tem data de operações comerciais (COD) até 2030. Nada menos que 48 Mt/ano de hidrogênio limpo até 2030 já foram anunciados, dos quais 9% do volume está comprometido e 50% estão em fase de planejamento. Os hidrogênios renovável e de baixo carbono representam 36 e 12 Mt/ano, respectivamente. Uma relação de 3 por 1.

Até maio de 2024, contabilizou-se 1,75 GW de capacidade de eletrólise implantada, o que representa um adicional de 650 MW desde o relatório anterior. Além disso, cerca de 26 GW passaram no FID globalmente, adicionando 14 GW em relação ao que foi levantado antes. Hoje se tem de forma já implantada 895 mil quilos por ano de capacidade operacional de fornecimento de hidrogênio limpo, acima dos 860 kt de meses atrás, dos quais somente 185 mil kg são realmente hidrogênio verde. Tudo isso representa menos de 1% do mercado corrente de hidrogênio cinza, mas mostra a continuidade consistente do crescimento dessa indústria.

Existem atualmente 1.150 unidades de estações de reabastecimento de hidrogênio implantadas no mundo, concentradas sobretudo na China, Coreia do Sul e Japão, ultrapassando juntos 850 estações no total, seguidos pela Europa com cerca de 250 estações. A Coréia do Sul e o Japão planejam expandir suas redes para mais 600 estações cada até 2030. A União Europeia, por sua vez, planeja implantar mais 400 estações no mesmo período. 65% dos veículos a hidrogênio se encontram hoje no Japão e na Coréia do Sul, e cerca de 90% dos caminhões e ônibus na China. Vale ainda destacar que 200 navios movidos a metanol verde já foram encomendados, 40 a mais do que o relatório anterior, dos quais 9 navios já estão em implantação.

Os fabricantes de eletrolisadores e células de combustível estão se preparando para aumentar a escala. A capacidade eletrolítica de produção atingiu quase 17 GW (acima de 11 GW do estudo anterior). Para célula de combustível industrial, a capacidade mundial hoje é de 16 GW (1 GW a mais do que o estudo de 2023). Coreia do Sul, China e Japão são os maiores mercados fornecedores dessas máquinas. No campo setorial, a siderurgia tem os maiores investimentos comprometidos com o hidrogênio limpo (9 bilhões), seguido pelos produtos químicos, transporte marítimo e rodoviário (4 bilhões de dólares cada). As vendas de veículos elétricos com células de combustível (FCEV) somou 90 mil veículos, um aumento de 14% em relação a outubro de 2023. Ademais, 160 novos modelos FCEV deverão estar disponíveis no mercado ainda em 2024, dos quais a maioria consiste em empresas comerciais de caminhões e ônibus na China.

Em resumo, o estudo mostra algo realmente muito promissor. A escala ainda é pequena, mas não se pode mais ter dúvidas com respeito à evolução dessa nova indústria. As coisas estão realmente começando a acontecer para o hidrogênio verde. Somando este relatório com tudo que temos observado recentemente em termos bastante práticos no mercado do hidrogênio, podemos dizer, sim, que este é o ano da virada, o primeiro de uma longa história de geração de riqueza com soluções ambientais. Quem entrar ainda este ano nessa empreitada vai ocupar os melhores lugares daquele que será o maior negócio do mundo até o final da década.

Clique aqui para ver o relatório completo.

Publicado 19/09/20254

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