Mais uma fábrica de hidrogênio no Maranhão
Marcelo Coutinho, Professor Doutor e Coordenador do curso de hidrogênio verde da Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ.
O Maranhão dá mais um passo seguro para se transformar no maior produtor de hidrogênio verde (H2V) do mundo, o combustível inorgânico renovável e matéria prima que substituirá o petróleo, o carvão e o gás natural na economia. Além do desenvolvimento do polo eletroquímico no município de Icatu (MA), acoplado ao porto industrial também em Icatu, a empresa SL Energias selou esta semana acordo para a implantação de uma fábrica na cidade de Bacabeira (MA), área de uma ZPE, Zona de Processamento de Exportação.
Os dois projetos se complementam perfeitamente, já que o hidrogênio verde a ser produzido em Bacabeira será por razões legais/fiscais predominantemente exportado, enquanto o H2V de Icatu abastecerá sobretudo o país internamente, a partir do complexo portuário e ferroviário do estado, que se estende desde os portos de Itaqui e Madeira até a Ferrovia Norte-Sul, passando pela Estrada de Ferro Carajás. Vale enfatizar que o Maranhão vai se consolidando cada vez mais como o principal modal industrial do país nos setores agrícola e mineral.
O complexo portuário maranhense já tem hoje o maior movimento de cargas de todo o país. Em média, os portos de Itaqui e da Madeira na baía de São Marcos movimentam juntos mais de 200 milhões de toneladas ao ano. O Terminal Marítimo de Ponta da Madeira (MA) movimenta sozinho mais do que o Porto de Santos, em São Paulo, e o dobro do Terminal de Tubarão, no Espírito Santo. Os portos maranhenses são os maiores, e têm muito mais condições de crescer. Dois novos grandes projetos portuários no Maranhão estão inclusive desenhados: o Porto em Alcântara e o Porto de Icatu, que devem somar mais de 100 milhões de toneladas de carga.
Além dos portos, nada se compara no Brasil ao eixo ferroviário Carajás/Norte-Sul no Maranhão. 70% do minério de ferro e 30% da soja/milho brasileiro passam pelo estado rumo ao exterior. E esse escoamento deve aumentar ainda mais agora com a integração final à produção no Centro-Oeste, decorrente da conclusão das obras ferroviárias. Ou seja, o hidrogênio verde produzido em Icatu já tem um amplo mercado de consumo interno para trens, caminhões pesados e fertilizantes. Isso para não falar do alumínio e do aço verde sobre o qual falaremos em outra oportunidade. Enquanto essa grande demanda regional será atendida pelo polo de H2V em Icatu, a demanda externa será abastecida com o H2V de Bacabeira, num complemento perfeito entre ZPE e indústria nacional.
A fábrica de hidrogênio verde em Bacabeira terá um terreno de 150 hectares ao todo, com capacidade de produzir 1 milhão de toneladas de hidrogênio verde por ano, o que corresponde mais ou menos a 4,5 bilhões de litros de diesel em termos energéticos, que moverão os novos veículos pesados sustentáveis na Europa, EUA e China. O projeto da fábrica, que ficará nas proximidades da refinaria da Petrobrás abandonada, deve entrar agora na fase de estudo ambiental e pedido de licenciamento. Assim como a primeira fábrica em Icatu, a fábrica de Bacabeira será desenvolvida em módulos gradativos, a partir de 2024 até 2033, quando se espera alcançar os seus objetivos finais.
Diante de tudo isso, nada se compara ao que está sendo planejado no Maranhão. Diferentemente dos projetos pulverizados em outros estados e países, o projeto maranhense é todo ele bem integrado. As fábricas serão complementares e terão um mecanismo de compensação sem a necessidade de grandes redes de gasoduto. O hidrogênio que for exportado pelo Porto de Icatu com o hidrogênio fabricado em Icatu pode ser compensado no balanço pelo hidrogênio produzido na ZPE de Bacabeira para abastecer, por exemplo, os trens da companhia Vale que passam pelo município.
Além disso, haverá também uma integração maior entre as baías do golfão maranhense (baías de Marcos e São José) de maneira a otimizar todo o processo de armazenamento e transporte da produção, que poderá acontecer tanto em forma de gás H2V puro, quanto também por meio de uma molécula transportadora como a amônia verde, que carrega consigo o H2V a partir da combinação com o nitrogênio atmosférico. Assim como o H2V, a própria amônia verde também pode ser combustível, além de insumo industrial. A forma mais segura e econômica de transportar o H2V é por meio de gasoduto. Porém, a amônia verde tem a vantagem de ser transportada com mais facilidade em longas distâncias por via marítima.
Todas as opções estarão ao alcance dos projetos da SL Energias e seus parceiros inseridos num parque industrial muito mais eficiente, competitivo e limpo, e que tem em Icatu o seu centro principal, mas que agora também se estende até Bacabeira num encadeamento produtivo regional perfeito, com água para todos os lados num raio de 50 km. Em vez de dividir forças, o estado se fortalece somando projetos que se ajudam mutuamente e ampliam os horizontes do Porto de Icatu. No começo pensado para ser um porto industrial exclusivamente especializado em combustíveis renováveis, já há demanda para que vá além disso e passe a incorporar também outros setores da economia, tamanho é o interesse na ampliação da capacidade portuária do estado.