Marcelo Coutinho, Professor doutor da UFRJ e analista sênior de hidrogênio. prof.marcelo.coutinho@gmail.com
Apesar das dificuldades iniciais, a transição para o hidrogênio verde avança no mundo. E não poderia ser diferente tendo em vista a extrema necessidade de descarbonizar as economias em função das mudanças climáticas. Curiosamente, o H2V avança mais em áreas onde menos se esperava inicialmente, como a indústria automobilística de carros leves, já que o novo combustível renovável foi pensado, em primeiro lugar, para veículos pesados como trens, aviões e navios, além das indústrias de metais, química e fertilizantes, e sobretudo onde não há outra alternativa de transição limpa a não ser o hidrogênio verde, como no caso da siderurgia.
Tem havido importantes avanços em todos os setores, mas surpreende a forma como o hidrogênio verde vem conquistando espaço no mercado de carros de uma forma mais acelerada, em parte porque a eletrificação de alguns modelos tem encontrado maior resistência, e em parte também pela impossibilidade de importação de energia elétrica direta. Temos assistido ainda à ampliação das redes de ônibus, sobretudo na Europa, inclusive com novos postos de H2V. Esses pontos de abastecimento devem ampliar a renovação das frotas de ônibus e caminhões movidos a H2V, o que também impacta favoravelmente sobre os carros.
Em nosso último artigo, destacamos o novo motor à combustão da Ferrari, mas a escuderia italiana não é a única a optar pela queima de hidrogênio verde puro. A Porsche já vinha investindo muito no combustível sintético a base de H2V, e agora conseguiu uma importante vitória na Europa que deve beneficiar outras montadoras que preferem adotar o hidrogênio verde em vez dos carros elétricos a bateria, ao menos em alguns modelos. A União Europeia aceitou o pedido da Alemanha para produzir combustível sintético desenvolvido pela Porsche. Isso significa que a Europa manterá sua política de banimento dos combustíveis emissores de carbono até 2035, mas aceitará outras soluções além dos carros elétricos.
Até 2030, por lei, as fabricantes de veículos terão que reduzir as emissões líquidas de gases de efeito estufa em no mínimo 55%, em comparação com os níveis de 1990, o que significa que será uma grande redução, com forte impacto em toda a economia. E a partir e 2035, os veículos movidos a gasolina, diesel e biocombustíveis serão definitivamente banidos. É importante salientar que o etanol está entre os combustíveis que serão banidos. Nenhuma montadora poderá vender veículos emissores de carbono ou orgânicos depois de 2035. A mesma lei de banimento foi aprovada nos EUA, China, Japão, Canadá, Coreia do Sul, Austrália, entre outros. Ou seja, as fabricantes terão que acelerar o ritmo da transição e agora poderão contar com soluções de hidrogênio verde.
Vai ficando cada vez mais claro que o H2V terá um papel importante também entre os carros de passeio, sobretudo os de luxo, como uma Porsche e uma Ferrari. Os motoristas poderão agora manter seus carros a combustão, se assim preferirem, e pelo que tudo indica, muitos preferem, o suficiente para dinamizar a indústria do H2V. A Europa tem um problema adicional com os carros elétricos à bateria que é a falta de energia elétrica renovável em abundância no próprio continente. Terão que importar o H2V de uma forma ou de outra, seja para abastecer apenas os veículos grandes e as indústrias pesadas, como originalmente consta nos planos e todas as providências já estão sendo tomadas, seja também para obter a energia elétrica renovável armazenada no hidrogênio verde, inclusive para carros elétricos de passeio.
Tudo indica que os motores a combustão irão superar os desafios da transição energética, mas com outro combustível. Poucas adaptações precisarão ser feitas para mudar da gasolina ou diesel para o hidrogênio verde, puro ou sintetizado. E não serão apenas motores para carros pequenos. A fabricante MAN apresentou na Europa um novo caminhão que não é movido a diesel e também não é elétrico, mas tem motor de combustão interna a hidrogênio. O MAN hTGX a hidrogênio é livre de emissões de diesel e dispensa bateria. O novo modelo com autonomia de 600 Km em um tanque de 56 kg de hidrogênio comprimido a 700 bar oferece potência máxima de 383 kW, cerca de 520 cv, e torque de 255 mkgf entre 900 rpm e 1.300 rpm. Serão entregues 200 unidades até 2025, com um custo de produção muito menor que o elétrico.
Vale lembrar que a MAN integra o Grupo Traton, dono das marcas Scania, Navistar e da brasileira Volkswagen Caminhões e Ônibus. Isso sugere que logo veremos esse novo caminhão H2V rodando pelo Brasil, cujas grandes distâncias favorece a escolha pelo H2V em vez da bateria. E por falar em Brasil, a montadora sul-coreana trouxe para o país o Hyundai Nexo, um SUV movido a hidrogênio verde com motor elétrico. Com planos já sendo implementados por aqui, inclusive com redes de abastecimento, a empresa é mais uma a apostar no H2V como o verdadeiro combustível do futuro, um futuro cada vez mais presente. Os SUVs são mais uma categoria de carros em que o hidrogênio verde vem crescendo na bolsa de apostas. O mais conhecido, a BMW iX5 H2, já rodou o mundo, foi aprovado por onde passou, e deve começar a ser comercializado no ano que vem. Portanto, elétricos ou a combustão, o hidrogênio verde avança.
Publicado 22/04/2024