Professor Marcelo Coutinho, analista sênior de hidrogênio prof.marcelo.coutinho@gmail.com
De acordo com relatório internacional amplo, profundo e atualizado “Hydrogen Insights”, vimos aqui na semana passada que o hidrogênio verde está acontecendo, virando realidade, em diferentes partes do mundo. Isso silencia vozes céticas que, ao fim e ao cabo – de forma inclusive intencional -, ainda colaboram para a manutenção do status quo que conduz a civilização para o caos por intermédio das mudanças climáticas provocadas pelos combustíveis fósseis.
Os projetos de hidrogênio verde estão crescendo e amadurecendo, com muitas iniciativas que já chegaram à decisão final de investimento (FID). Não se trata de uma vontade apenas. Os investimentos estão se concretizando e cada vez mais. Em muitos lugares, os projetos já estão em estágios bastante avançados, com algumas fábricas em operação. Podemos dizer que no exterior, na mediana dos empreendimentos, o H2V já está na fase de engenharia. Ou seja, essa indústria avança lá fora. A questão que fica agora é com relação ao Brasil.
Aqui no país, a mediana está abaixo do que se verifica no exterior. Os projetos brasileiros estão ainda na fase de viabilidade em termos médios. Parte disso se deve à demora na aprovação do marco regulatório, que apenas recentemente foi aprovado pelo Congresso Nacional com incentivos fiscais. E parte também é por causa do lobby dos biocombustíveis que tem atrapalhado bastante o avanço da indústria do hidrogênio verdadeiramente limpo no país. Agora que a lei foi aprovada internamente e que o lobby sobretudo do etanol sofre derrotas internacionais, os projetos nacionais de H2V devem ganhar celeridade.
O Brasil não é uma ilha. O mundo caminha para o hidrogênio eletrolítico e isso não tem mais volta, seja porque o planeta realmente precisa, seja porque os investimentos já estão sendo desembolsados na prática. Então, por maiores que sejam os obstáculos ao H2V, ele veio para ficar e o país tem tudo para se destacar nessa nova indústria. Poderia estar melhor? Poderia. Mas agora temos que olhar para frente e nos prepararmos para a competição internacional que será maior justamente por causa da nossa demora.
O lobby dos biocombustíveis continuará atrapalhando, mas deve perder cada vez mais força de agora em diante. E não é por causa apenas dos incêndios que literalmente terminaram de queimar a imagem dos combustíveis orgânicos que precisam destruir matas para crescer. O caso da indústria automobilística é uma prova de que a própria indústria se auto-organiza de uma forma a escantear os biocarburetos. Estão se consolidando fortes parcerias entre as maiores montadoras do mundo centradas no hidrogênio verde.
Toyota e BMW. Honda e General Motors. Hyundai e Skoda. Esses são alguns exemplos dessas parcerias todas elas voltadas para produzir uma nova geração de carros movidos a H2V. Há um claro movimento de rearrumação global dessa indústria, e o Brasil não poderá ficar de fora. Algumas empresas ainda preferem agir sozinhas como é o caso da Renaut com o modelo Master H2, mas mesmo essas já fizeram sua escolha. Todos ficarão com carros elétricos a bateria no geral, mas com carros a H2V em algumas categorias como SUVs, caminhonetes e vans.
A chinesa GWM lançará carro a hidrogênio no Brasil em 2025. Será provavelmente o segundo carro H2V a circular no país, depois do sul-coreano Hyundai Nexo, que terá um novo modelo mais avançado já disponível para comprar no segundo semestre do próximo ano, com uma incrível autonomia de 800 Km, segundo informações vazadas na imprensa nos últimos dias. Ao mesmo tempo, os consumidores já poderão experimentar a gasolina sintética feita com H2V pela Porsche. Esse combustível sintético pode ser usado normalmente pelos carros convencionais. Seja como for, as mudanças estão em andamento, e quem dormir no ponto perde a oportunidade. Das 10 maiores fabricantes do mundo, 8 desenvolvem carros a hidrogênio, ficando apenas ainda de fora a Volkswagen, com exceção evidentemente da Tesla, exclusivamente dedicada aos elétricos a bateria.
As 10 montadores de carros mais valiosas do mundo.
Posição | Montadora | Valor de mercado | Veículos H2V |
1º | Toyota | US$ 64,5 bilhões | Sim |
2º | Mercedes-Benz | US$ 61,4 bilhões | Sim |
3º | BMW | US$ 51,1 bilhões | Sim |
4º | Tesla | US$ 49,9 bilhões | Não |
5º | Honda | US$ 24,4 bilhões | Sim |
6º | Hyundai | US$ 20,4 bilhões | Sim |
7º | Audi | US$ 16,3 bilhões | Sim |
8º | Porsche | US$ 16,2 bilhões | Sim |
9º | Volkswagen | US$ 15,1 bilhões | Não |
10º | Ford | US$ 14,8 bilhões | Sim |
Fonte: Interbrand
Até mesmo a Stellantis, que até o ano passado ainda defendia da boca para fora o carro a etanol brasileiro contra os elétricos, entrou na verdade de cabeça nos automóveis movidos a hidrogênio verde, com picapes e vans. Portanto, é um delírio completo imaginar que o Brasil terá pela frente mais carros que destroem florestas enquanto o mundo inteiro adota o hidrogênio verde. Além disso, é sempre bom lembrar, o H2V não é sequer feito em primeiro lugar para os carros de passeio. Seu propósito prioritário são os veículos pesados, de longa distância, alta atividade e trajeto pré-definido.
Conclusão: o mundo todo avança com o hidrogênio verde, e o Brasil não poderá ficar para trás por mais tempo. Até o fim deste ano, projetos como os da SL Energia devem começar a sair do papel e passar para as etapas de engenharia, e aí será tarde demais para quem teve medo de investir agora, perdendo tempo com a cabeça ainda no passado ou fazendo um jogo de tolo enquanto o cavalo selado passava bem na sua frente. A realidade independe das opiniões em contrário.
Publicado em 24/09/2024