Marcelo Coutinho, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e analista do hidrogênio.
O planeta está sofrendo um grave aquecimento provocado pelas emissões de gases efeito estufa. Todos já sabem disso. As mudanças climáticas começaram a castigar o mundo inteiro, inclusive o Maranhão, com inundações e erosões cada vez maiores no estado. Todo mundo também já sabe disso. O que poucos sabem é que se houver um aquecimento global para além de 1,5 graus Celsius, boa parte da costa e da baixada ocidental maranhense estará ameaçada com a elevação permanente do nível do mar e a intensificação das chuvas. A temperatura do planeta já subiu 1,2 oC. E todo maranhense já percebeu as mudanças no regime de chuvas, que afeta das diversas populações locais até os grandes navios que chegam à baia de São Marcos.
Mas o que quase ninguém talvez ainda saiba é que a solução para esse preocupante problema ambiental está no próprio Maranhão: o hidrogênio verde (H2V), uma nova commodity e combustível universal feito da separação eletrolítica das moléculas de hidrogênio e oxigênio presentes na água numa instalação industrial, e mediante energias renováveis. Na verdade, o H2V poderá ser produzido em vários lugares, embora nenhum deles se compare ao que pode ser feito no estado em termos de qualidade e eficiência nessa indústria.
Além do Maranhão, apenas duas outras localidades no mundo todo têm a mesma quantidade de energia eólica potencial necessária para produzir o hidrogênio verde em grande escala, quais sejam, o Ceará e o Rio Grande do Norte. E somente o Maranhão tem abundância de água, pois os demais estados nordestinos estão no polígono da seca e, portanto, precisarão usar parte dessa energia renovável para potabilizar e abastecer a população de um direito humano vital, ou enfrentarão um problema ético e político na contramão dos movimentos sociais globais.
A abundância de vento e água desequilibra o jogo a favor da indústria maranhense do hidrogênio. Será muito menos custoso e bem mais proveitoso produzir H2V no estado do que em qualquer outra parte do mundo. Sim, o Maranhão tem tudo para ser líder de uma nova indústria que mobiliza centenas de bilhões de dólares. Além de água e vento, o Maranhão tem também muitos consumidores locais para esse produto, que passam pelas indústrias metálicas, agrícolas, ferroviárias e portuárias. Nem o Ceará nem o Rio Grande do Norte chega perto disso.
É bem verdade que o parque eólico maranhense está entre os menores do Nordeste. Porém, isso também é uma grande vantagem. Por dois motivos. Primeiro, mais do que qualquer outro estado, podemos expandir ainda muito a produção eólica em terra maranhense devido ao seu grande potencial reconhecido por todos os institutos especializados. Ao contrário de outros estados que já se aproximam de uma saturação e só podem esperar pelas futuras usinas offshore que são três vezes mais caras, a produção eólica maranhense em terra é uma avenida de possibilidades, tanto quanto a futura produção em mar.
Em segundo lugar, a regulamentação internacional também favorece muito o Maranhão porque exige que apenas parques de energia renovável novos sejam destinados à produção do hidrogênio. Os que já existem não poderão ser usados para isso. Quem mais faz essa exigência são justamente os europeus, os mesmos que serão os maiores compradores do hidrogênio brasileiro. Além disso, é importante também destacar como outras vantagens comparativas maranhenses o baixo custo nas redes de transmissão de energia, as águas calmas e profundas do golfão maranhense e sua localização privilegiada, que torna o estado um forte candidato a se tornar o maior posto de abastecimento do mundo com o combustível marítimo derivado do hidrogênio verde. Logo todos os navios serão movidos a hidrogênio ou seus derivados como o e-metanol e a amônia verde.
Há ainda mais vantagens em produzir o H2V no Maranhão que poderiam ser aqui enumeradas, mas tem uma desvantagem que está atrapalhando e que precisa ser revolvida logo. Todos os demais estados estão mais adiantados no quesito regulamentação, política de subsídios, articulação e propaganda. Tal adiantamento tem permitido a esses outros estados fecharem acordos preliminares, que vão de memorandos de entendimento aos pré-contratos com importantes empresas, deixando o Maranhão para trás a despeito de todas as suas outras vantagens. Em resumo, falta apenas um ambiente de negócios local mais favorável para destravar os investimentos iniciais na industrialização maranhense do hidrogênio.
O maior potencial para essa indústria está no município de Icatu, na baía de São José, onde deve ser instalado um novo terminal portuário especializado em hidrogênio verde, com o custo equivalente às reformas e extensões que estão sendo planejadas em outros portos como Pecém e Suape. É possível também um desenho industrial que inclua mais vocações do estado, como o hidrogênio azul, a captura de carbono, combustíveis sintéticos, e até mesmo o etanol, embora não se saiba muito bem porque deveríamos transformar um combustível já usual em outro combustível. Tudo isso pode ser pensado, mas antes é preciso com urgência que o estado desenvolva um plano. Falta um plano estadual integrado que só o Palácio dos Leões pode liderar.