Professor Marcelo Coutinho, analista sênior de hidrogênio prof.marcelo.coutinho@gmail.com
Os carros a hidrogênio já circulam há anos em algumas localidades no exterior, principalmente nos EUA, Europa, Japão e Coréia do Sul. Mas em pequenos números. O modelo Mirai a hidrogênio da Toyota foi inclusive o carro oficial das Olimpíadas de Paris, com 500 exemplares trabalhando no evento que agora virarão taxi na cidade. No Brasil, a Hyundai trouxe o Nexo movido a H2V para uma exposição este ano. Ainda não está circulando pelas ruas brasileiras porque no país o etanol acaba atrasando no curto prazo a adoção desses novos automóveis. Em que pese isso, Brasília terá em 2025 o primeiro posto de hidrogênio verde do país.
Originalmente, o hidrogênio verde não foi pensado para ser utilizado em automóveis de passeio a gasolina por ser mais bem aproveitado em veículos pesados que usam o diesel, como caminhões e trens. É uma questão de custo-eficiência do novo combustível verde, que leva em conta o peso do veículo e sua carga de trabalho. Quanto maior, mais pesado e mais ativo o meio de transporte, maior é a vantagem do H2V. Porém, por causa de algumas resistências aos carros elétricos a bateria, o hidrogênio acabou virando uma opção também para os seguimentos dos leves.
A última novidade entre os carros H2V é que a BMW e a Toyota, que já tinham uma importante parceria na área, acabam de anunciar a ampliação desse trabalho em conjunto para lançar até 2028 uma nova geração de automóveis a hidrogênio. A BMW vem de testes muito bem sucedidos com o seu modelo iX5 hydrogen. 100 exemplares circularam o mundo nos últimos 15 meses, satisfazendo a todos por onde passavam. Não foi identificado nenhum problema com esse SUV da BMW, mas a companhia resolveu ainda não comercializá-lo por dois motivos. Primeiro, pode melhorá-lo ainda mais. Segundo, e mais importante, a rede de postos de abastecimento é ainda pequena.
A Toyota, que é a maior montadora do mundo, está enfrentando um problema sério de abastecimento de combustível na California para o seu Mirai justamente porque falta hidrogênio verde na praça. E falta H2V porque ainda pouco se produz. É um mercado que está crescendo só agora. Então, não adianta, sair vendendo muitos carros a hidrogênio sem ainda uma rede de abastecimento condizente. É preciso agora avançar na produção do H2V.
A parceria com a BMW fará com que o mesmo problema não aconteça na Europa. Por isso, as duas empresas incluíram agora na sociedade a implantação de toda a infraestrutura de abastecimento. E esse é o motivo mais importante para a nova geração automobilística a hidrogênio ficar para 2028, quando se espera que os gargalos de produção e distribuição do novo combustível já tenham sido finalmente superados. Muitas fábricas de H2V estão saindo do papel neste momento, e devem começar a escoar sua produção em maior escala em 2027.
Enquanto esperam o mercado de hidrogênio se estabelecer melhor, a BMW e a Toyota aproveitarão para desenvolver a nova geração de células de combustível e trens de força. Hoje, o iX5 já faz 504 km com apenas 6 kg de hidrogênio. A meta agora é fazer a mesma distância com 5 kg, aumentando, assim, 20% a eficiência total, o que daria uma incrível performance de 101 km para cada quilo de H2V. Hoje está em 84 km por cada quilo. Considerando que o hidrogênio cairá de preço dos atuais 13 dólares médios para pelo menos 9 dólares até 2028, ficará mais barato encher o tanque com hidrogênio verde do que com gasolina. Isso mesmo, dentro de 4 anos será mais econômico andar com um carro a hidrogênio do que a combustível convencional.
Um SUV como o iX5, ou outro equivalente, gasta cerca de 302 reais para percorrer 504 km com gasolina. Hoje, com a tecnologia atual, esse mesmo iX5 – só que a hidrogênio – gasta 437 para percorrer a mesma distância. Ou seja, por causa da produção ainda pequena de hidrogênio verde e da falta de postos de abastecimento, uma viagem Rio de Janeiro-Belo Horizonte, por exemplo, sairia 135 reais mais cara se fosse feita com um SUV movido a hidrogênio verde. No entanto, em 2028 esses números serão diferentes. Serão gastos 252 reais para fazer essa mesma viagem com H2V, o que significará uma expressiva economia de combustível de 50 reais.
No Brasil, a economia será ainda maior porque aqui o hidrogênio verde será bem mais barato. Vejamos uma viagem São Luís-Imperatriz, cruzando o Maranhão, quanto ficará até o final desta década. Um SUV estilo iX5 nova geração de hidrogênio fará essa viagem de 632 km com 6,2 H2kg, totalizando cerca de 210 reais. Com diesel, o mesmo carro na melhor das hipóteses gasta 381 reais. Portanto, dentro de poucos anos, além de zero emissão de carbono, o hidrogênio verde economizará para o motorista 171 reais, ou 45% com o consumo de combustível, invertendo desse modo a situação encontrada atualmente.
Não é à toa que fizeram de tudo, e ainda fazem, para atrapalhar a produção de hidrogênio verde. Será um combustível absolutamente imbatível, que aposentará o diesel, a gasolina e o etanol. Mas, novamente, os veículos leves não serão os primeiros mercados a se desenvolverem nesse sentido. Os caminhões H2V é que puxarão os leves. E a mudança já começou. A venda dos caminhões a hidrogênio foi o que atenuou a retração do mercado nos EUA no setor. A empresa Nikola vendeu no atacado 72 caminhões elétricos com célula de combustível de hidrogênio no último trimestre, superando sua produção projetada, e num período em que houve desaceleração das vendas de caminhões convencionais.
A tendência natural é que os caminhões usem o H2V para descarbonizar porque elétrico a bateria não resolve o problema deles. Foi testado e não é satisfatório. Então, já começamos a ver no exterior a substituição de caminhões convencionais pelos caminhões H2V. Com os caminhões rodando, a rede de postos nas rodovias se amplia porque aí o interesse econômico é direto. E com a rede de posto de ampliando, amplia-se também a venda de veículos menores movidos a hidrogênio. Pouco a pouco essas redes se deslocam das rodovias para algumas dentro das cidades e aí pronto, teremos carros H2V em cada sinal.
Todas essas mudanças já em andamento devem levar o consumidor a pensar. Depende caso a caso, mas em geral não valerá mais a pena comprar um caminhão novo a diesel daqui a dois anos, pois vai se desvalorizar muito logo em seguida. Quem precisa substituir a frota, vai adiar para já ingressar no hidrogênio, que é a tecnologia definitiva. O biocombustível é tecnologia de transição passageira que deve envelhecer mal e rápido. Se você está no exterior, isso é uma realidade. E o Brasil não vai poder se diferenciar muito porque, afinal, não está em outro planeta. As grandes montadoras vão pouco a pouco afunilar suas linhas de montagem. Com relação aos carros vai demorar um pouco mais para se espalharem no país, embora devam começar a circular no Brasil entre 2025 e 2026. Para usar uma linguagem popular: quem tiver os primeiros modelos, vai tirar muita onda! O tempo não para…
Publicado em 09/09/2024