Marcelo Coutinho, Professor doutor da UFRJ e analista sênior de hidrogênio. prof.marcelo.coutinho@gmail.com
Uma das formas de armazenar hidrogênio é via materiais sólidos, o que também nos remete às baterias sólidas que estão sendo desenvolvidas ultimamente em substituição às baterias de lítio mais usuais. Embora essas tecnologias não sejam a mesma coisa, têm ganhado algum espaço no noticiário pelo seu potencial de superar limites observados em outras soluções de reserva energética. Mas será que esses métodos de armazenagem de energia são realmente promissores? E quando estarão efetivamente disponíveis para o mercado e a sociedade? O objetivo deste artigo é organizar respostas para essas perguntas. Desde já adianto que em nada comprometem ou atrapalham o papel do hidrogênio verde na descarbonização da economia. Ao contrário, serão perfeitamente combinadas à industrialização do H2V.
Há décadas, pesquisadores trabalham de forma mais sistemática com ligas para armazenar hidrogênio sólido, conhecidas como “baterias de hidrogênio”, utilizando catalisadores, isto é, substâncias que aumentam a velocidade de uma reação química. Basicamente, essas técnicas consistem em armazenar hidrogênio em metal, formando hidretos. Cientistas da Universidade de Harvard, nos EUA, criaram em 2017 uma amostra que pode ser considerada o primeiro metal de hidrogênio da história. Em 2021, o Laboratório Nuclear Canadense desenvolveu, por sua vez, uma liga à base de magnésio para armazenamento do hidrogênio em estado sólido. Em todos os experimentos conhecidos até agora, ficou claro um problema básico com as baterias de hidrogênio metalizadas: elas armazenam pouco mais de 6% do seu peso em hidrogênio, o que as torna inviáveis por serem muito pesadas no seu conjunto.
Com algumas exceções de aplicabilidade em equipamentos industriais que requeiram contrapesos ou que o peso excessivo não seja um problema, como, por exemplo, em empilhadeiras, esse tipo metálico de bateria de hidrogênio com liga de magnésico não parece muito promissor. Mas os estudos não pararam aí. Pesquisadores sul-coreanos sintetizaram recentemente um material de estado sólido que consegue armazenar hidrogênio em seus poros com uma densidade energética surpreendente. Trata-se de um hidreto complexo composto também por hidreto de magnésio, só que acompanhado por hidreto de boro sólido (BH4)2 além de cátions magnésio (Mg+). O estudo é liderado pelo professor Hyunchul Oh, do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Ulsan.
Esse mais recente material nanoporoso, Mg(BH₄)₂, permite o armazenamento de cinco moléculas de hidrogênio em um arranjo tridimensional por unidade molecular. E seu resultado em termos de densidade energética supera qualquer outra solução baseada em hidrogênio verificada até o presente momento. Essa bateria sólida de hidrogênio de última geração apresentou mais do que o dobro de gramas de hidrogênio por litro (144 g/L) do que um tanque de hidrogênio em estado líquido (70,8 g/L). Vale lembrar que o hidrogênio em estado líquido já armazena uma quantidade energia realmente impressionante, inúmeras vezes maior do que o diesel. Mas requer temperaturas muito baixas para se manter nesse estado, o que a nova liga sólida não precisa.
Em que pese sua extraordinária densidade energética e maior segurança, o armazenamento de hidrogênio de estado sólido ainda não é uma alternativa melhor do que o armazenamento do hidrogênio em tanques em forma líquida ou gás comprimido por dois motivos muito simples. Primeiro, o aglomerado de penta-dihidrogênio ainda é só um estudo publicado numa importante revista de química, a Nature Chemistry. Vai levar alguns muitos anos para sair do laboratório até chegar aos parques industriais, anos que a sociedade global não dispõe diante das ameaças iminentes das mudanças climáticas. Em segundo lugar, tudo indica que o novo material resultante de nanotecnologia continue ainda pesado. A propósito, desde o veículo feito pela Daimler-Benz nos anos 1980, os hidretos costumam ser 20 vezes mais pesados do que a gasolina, embora tenham metade do seu volume.
Além disso, há um problema adicional em usar metais de hidrogênio como bateria que é extrair depois esse hidrogênio para gerar energia. Os hidretos metalizados podem ser uma forma mais segura e densa de carregar o hidrogênio, sobretudo para a exportação, mas descarregá-lo continua sendo uma dificuldade porque a desidrogenação demanda muito calor, até 250 graus Celsius. Uma abordagem alternativa de recuperar o hidrogênio desses carregadores metálicos, que está sendo estudada, seria mediante uma pasta bombeável feita com esse hidreto de magnésio, capaz de reagir com a água em temperatura ambiente. Porém, essa e outras soluções ainda vão demorar alguns anos para estarem realmente disponíveis. Seja como for, é importante que os estudos com os hidretos metálicos continuem. Quanto mais possibilidades de armazenar o hidrogênio verde, melhor. Cada tipo de armazenamento do H2V – armazenamento físico, químico e geológico – terá o seu lugar a depender das necessidades operacionais e de segurança, o que só aumentará a versatilidade do novo combustível e insumo industrial.
Com relação às ditas baterias sólidas, que um dia provavelmente virão a substituir as atuais baterias dos carros elétricos, é importante dizer, antes de tudo, que elas nada têm a ver com as baterias de hidrogênio sólido, a não ser uma possibilidade de usar os hidretos de metais como condutores. Fora isso, é importante não misturar as coisas. Quando se fala atualmente de baterias sólidas está se falando de uma nova tecnologia que substitui o eletrólito líquido das baterias convencionais de íon-lítio por algum material sólido altamente condutor, que no futuro ainda distante poderá ser inclusive o próprio hidrogênio verde metalizado também.
As baterias sólidas praticamente resolverão todos os desafios atuais dos carros elétricos. Terão uma autonomia três vezes maior, com cerca de 1500 km, os carros poderão ser abastecidos em apenas 10 minutos, terão o dobro de vida útil, com bem menos desvalorização na revenda, o frio quase não prejudicará o desempenho, e haverá muito menos chance de qualquer curto circuito ou incêndio, aumentando, assim, muito a segurança. No entanto, essa tecnologia só estará realmente disponível no mercado entre 2027 e 2030 por causa do seu alto custo, não podendo, portanto, servir de pretexto agora para adiar a transição energética entre os veículos, simplesmente porque o mundo não pode mais se dar ao luxo de perder mais tempo algum diante do acelerado aquecimento do planeta.
Por fim, sobre a divisão dos papéis entre hidrogênio verde e baterias, sugiro a leitura do meu artigo anterior, publicado semanas atrás, “Carros elétricos e hidrogênio verde”, onde expliquei em detalhes porque essas tecnologias são mais complementares do que competidoras entre si. Não há porque estabelecer uma falsa rivalidade entre elas que só interessaria à indústria do petróleo e gás. A grande maioria dos carros elétricos será à bateria, e os veículos superpesados serão movidos a hidrogênio verde, que também continua sendo a única forma de descarbonizar vários processos industriais, como a produção do aço com o qual se faz, afinal, todos os automóveis. E mesmo nos setores em que a bateria se sair melhor que o H2V, em muitos países será necessário de qualquer forma importar hidrogênio verde para alimentar de energia limpa as baterias dos seus carros elétricos.
Publicado 19/03/2024