Usinas eólicas e hidrogênio verde

Marcelo Coutinho, Professor Doutor e Coordenador do curso de hidrogênio verde da Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ. E-mail: prof.marcelo.coutinho@gmail.com

Vimos no artigo anterior sobre a competitividade do hidrogênio verde (H2V) que água e vento são os dois principais ingredientes para se ter um bom hidrogênio limpo e barato. O H2V consome muito esses dois insumos renováveis, devolvendo para a natureza 100% da água que utilizou durante a fabricação chamada de eletrólise, e armazenando quase 70% dos excedentes eólicos em depósitos moleculares de hidrogênio para queima industrial ou células de combustível. Tudo isso sem emitir carbono ou emitindo muito pouco. Agora falaremos mais sobre esses ventos que fazem girar as usinas eólicas. Onde estão os mais importantes? Por que justamente nesse quesito o Maranhão também leva grande vantagem?

Primeiro, é preciso entender a circulação atmosférica, isto é, de onde os ventos vêm. Eles saem das áreas de alta pressão para áreas de baixa pressão. Isso acontece em toda parte. Porém, há um lugar em especial onde os ventos são mais fortes e perenes: próximo à Linha do Equador, o marco zero na latitude, justamente a área de menor pressão atmosférica da Terra em função da irradiação solar. Os ventos são mais intensos e constantes entre 2 graus zeros para os hemisférios sul e norte. Quanto mais perto da Linha do Equador, mais sol e mais vento.

O maior deslocamento de ar do planeta é, portanto, rente à Linha do Equador porque exatamente aí converge os ventos oriundos dos trópicos de Câncer e Capricórnio, zonas de alta pressão. Tais ventos são denominados alísios, e vêm em força dupla do Sudeste e do Nordeste do mundo, em direção ao Ocidente por causa do movimento da Terra. Os ventos alísios são tão fortes que os navios de vela dos descobridores europeus só poderiam navegar a favor deles ou teriam grandes dificuldades. Tais ventos sopram sem interrupção, e não há nada que se compare a eles em matéria de continuidade massiva. Observe que se trata de um fenômeno estrutural e muito estável. Não muda com a opinião de ninguém ou ao sabor dos tempos.

Em segundo lugar, é importante salientar que tal fenômeno eólico aparece principalmente acima dos oceanos, pois sobre os continentes ele perde muita força. Os ventos alísios são desviados ou interrompidos por grandes massas continentais. Pouca circulação de vento ocorre acima dos continentes sul-americano ou africano e sobre as ilhas da Indonésia porque é interrompida pela convecção local (elevação do ar) acima das massas continentais. Na parte norte do oceano Índico, a circulação dos ventos também pode ser desviada pelas diferenças de alta pressão entre a África, a Península Arábica e o subcontinente indiano. Portanto, os ventos alísios reúnem-se e sopram mais forte sobretudo entre outubro a março na margem equatorial brasileira, 1000 a 2000 km da Linha do Equador.

A essa altura, já podemos antever o motivo pelo qual o Maranhão é tão especial em matéria de hidrogênio verde. Além de um sistema de bacias hidrográficas abundante, tem também muita chuva proveniente dos ventos alísios. A Zona de Convergência Intertropical que carrega uma quantidade colossal de nuvens, feitas de ventos alísios (úmidos e quentes), desemboca justamente no Golfão Maranhense, dois graus ao sul da Linha do Equador, alimentando o estado de água e vento com enorme extravagância, e todos os anos, sem decepcionar. Isso significa que nunca vai faltar água e vento no Maranhão, que foi feito sob medida para produzir o H2V. O mapa a seguir ilustra esse fenômeno natural estruturante.

O Golfão Maranhense não só é um oásis de água interminável para a produção industrial do hidrogênio verde, mas também o lugar mais colado à área marítima que mais recebe ventos em todo o planeta. O estado fica entre as longitudes 42 e 46, e apenas 2 graus da Linha do Equador, onde a maior massa de ventos do mundo converge, entra no continente e forma poderosas nuvens, que se precipitam até 100 milímetros de chuva. Ou seja, a costa maranhense é uma gigantesca fábrica natural virtualmente infinita de insumos para produzir o H2V por ser a porta de entrada dos ventos e chuvas mais volumosos para o continente. Nada, absolutamente nada no mundo se compara a isso.

Sabemos que, ao contrário do Maranhão, o restante do Nordeste é estruturalmente bastante seco e carece de água para o hidrogênio verde. Então, foquemos agora exclusivamente no potencial eólico da região. O Mapa a seguir mostra com bastante clareza onde fica exatamente a zona de mais ventos no mundo, uma parte maior que vai do Maranhão ao Ceará, e uma segunda área próxima ao Rio Grande do Norte, por conta dos ventos alísios de sudeste que fazem uma volta justamente nesse extremo do país. É fácil entender assim porque a região é tão cobiçada pelo seu grande potencial de geração de energia elétrica renovável, não apenas energia eólica onshore, mas sobretudo offshore, já que são precisamente no mar onde se encontram os ventos alísios mais vigorosos pelas razões explicadas acima.

Se pegarmos os números anuais da produção eólica em terra, já dá para perceber a força do Nordeste, e especificamente do Maranhão. A Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica) faz o levantamento todo o ano, e o resultado é que Bahia e Maranhão aparecem em todos os relatórios entre os três principais estados com maior fator de capacidade, a variável mais importante do sucesso de uma usina porque mede o aproveitamento eólico ao longo do período. Piauí e Pernambuco se alternam nessa lista dos mais produtivos, juntando-se aos parques baianos e maranhenses a depender do ano. Considerando as médias entre 2020 e 2023, os top 5 em fator de capacidade eólica na ordem são: Bahia, Maranhão, Piauí, Pernambuco e Rio Grande do Norte.

No mapa a seguir, já dá para ver com clareza o descompasso do indicador objetivo de capacidade eólica onshore com os projetos listados no Ibama para licenciamento ambiental prévio offshore. Primeiro, a Bahia não tem projetos offshore, embora se saia muito bem em fator de capacidade onshore. Isso se explica pela fraqueza dos ventos oceânicos nesse estado em comparação a outros. Porém, o Maranhão ainda tem poucos projetos offshore embora seja um dos campeões no fator de capacidade onshore. E nada justifica essa distorção, seja por fator de capacidade onshore, seja por fator de capacidade estimada offshore, em função da circulação atmosférica comprovadamente maior no Maranhão por todas as razões técnicas explicadas anteriormente.

  Fonte: Pedidos de licenciamento, Ibama 2023.

Fator de capacidadeMédia onshoreEstimada offshore
Maranhão43%56%
Rio Grande do Norte41%53%
Rio Grande do Sul34%44%
Rio de Janeiro22%28%

   Fonte: Boletins anuais da ABEEólica, 2020-2022. Estimativa própria.

As usinas maranhenses têm um fator médio em terra comprovado de 43%, enquanto o Rio Grande do Sul tem apenas 34%, considerando as médias entre 2020 e 2022. Embora o Rio Grande do Sul tenha um fator de capacidade muito menor que o Maranhão onshore, consta com muito mais pedidos de licenciamento offshore, o que não faz nenhum sentido técnico. Os ventos de tempestades podem ser muito fortes, mas são pontuais, e jamais terão o nível de aproveitamento dos ventos alísios para a produção de energia eólica anual. Além disso, os ciclones extratropicais são um desafio considerável à instalação de usinas no mar, ainda mais tendo em vista que tais ciclones têm aumentado de intensidade no sul do país. Tecnicamente é possível, mas muito mais caro.

A mesma distorção acontece se compararmos o Rio de Janeiro com o Maranhão. O fator de capacidade onshore do Rio de Janeiro é um dos menores do país, com apenas 22% médios, também no mesmo período entre 2020 e 2022. E nada sugere que possa ter um aproveitamento no mar muito maior que isso. Certamente, tem um fator de aproveitamento que corresponde à metade do maranhense. Ou seja, a perspectiva é que o número de projetos no mar no Maranhão se multiplique. Muitos dos pedidos de licenciamento hoje no Ibama em outros estados parece ser mais uma tentativa política de criar um fato que jamais poderá ser consumado nessas proporções por motivos técnicos.

Mesmo se compararmos o Maranhão com as principais estrelas dos pedidos de licenciamento no Ibama situados na margem equatorial, não faz sentido o estado ter menos que o Ceará e o Rio Grande do Norte. Em primeiro lugar, as usinas cearenses nunca aparecem sequer perto das maranhenses em fator de capacidade onshore medido anualmente. Isso já é um indicativo de que esses pedidos de licenciamento têm algo de bastante distorcido. No caso do Rio Grande no Norte, embora apareça no top 5 nas medições anuais apresentam sempre um desempenho menor que o Maranhão, em torno de 3 pontos percentuais.

A tendência, portanto, é que em algum momento essas especulações enfrentem a realidade técnica de que o Maranhão também em termos eólicos se destaca mais do que qualquer outro. O painel eólico offshore da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) deverá se ajustar, por exemplo, aos estudos em andamento nas plataformas da Petrobrás. O Roadmap da EPE tem limites claros. Primeiro, utiliza bases de dados muitos antigas, de 10 anos atrás, e desconsidera os fatores de capacidade medidos recentemente.

Segundo, utiliza em sua metodologia apenas a velocidade dos ventos, que é uma variável importante, mas insuficiente para saber de fato qual o potencial eólico de uma região. É fundamental medir a massa de ar deslocada, sua constância e regularidade de direção. E finalmente, basta ver os mapas das suas três fontes primárias (Wind Atlas, CEPEL e ERA5) para ver a enorme discrepância entre cada uma, sendo impossível tirar uma simples média. A melhor das três parece ser a CEPEL, e nesse mapa se faz justiça ao Maranhão, o que é reforçado pelo Atlas eólico da Equatorial Energia.

Fonte: Atlas eólico da Equatorial Energia

Publicado em 12/12/2023

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